29/10/2014

Resta uma de duas alternativas - cassar Dilma ou fechar a Veja

        Quem leu a reportagem da Veja que circulou dois dias antes da eleição de segundo turno não terá mais sono tranquilo antes que ocorra uma destas duas coisas: ou a cassação, por impeachment, da presidente da República, Dilma Rousseff, ou o fechamento da mais expressiva publicação da Editora Abril, a revista de atualidades semanais, Veja.
        A revista circula normalmente aos sábados. Desta vez, com o propósito de influenciar no resultado eleitoral, circulou na sexta-feira, anti-véspera da eleição de segundo turno e no dia de debate entre os dois candidatos à presidência da República na emissora de maior audiência do País, a Globo.
        A revista trazia o que em jornalismo é chamado de “bomba”: Dilma e seu criador, ex-presidente Lula, sabiam de toda a trama de corrupção na Petrobras - não apenas sabiam como tiraram proveito próprio dela. Veja reproduzia um dos depoimentos do doleiro Alberto Youssef, preso em Curitiba, Paraná, sob regime de delação premiada.
        A revista informava a seus leitores que o depoimento de Youssef não apresentava provas do que disse, advertindo, entretanto, que a mentira por quem está sob delação premiada é punida com a perda dos benefícios do regime.
        Verdade ou mentira, a edição da revista trouxe tal indignação à militância mais radical pró-Dilma que as instalações de Veja em São Paulo foram invadidas e depredadas e o PT, de Norte a Sul do País, passou a chamar o episódio de golpe.
        É um desses episódios sobre o qual a Democracia não pode saltar, sob pena de se desmoralizar. Esclareça-se tudo e puna-se ou a presidente “corrupta” ou a imprensa que “envergonha o jornalismo e a nação”. Se tiver de ser fechada, seja fechada, sem nenhuma contemplação, até porque toda “imprensa golpista” só existe para enlamear a Democracia.




27/10/2014

Chega de intermediários, João Santana para presidente da República!

        Ele foi o grande vitorioso destas eleições: João Santana (João Cerqueira de Santana Filho), nascido numa cidadezinha (pasmem!) chamada Tucano na região nordeste da Bahia, tem 60 anos e uma já extensa experiência no marketing político, tendo elegido, entre muitos outros, Hugo Chávez, na Venezuela. Diz a lenda que foi contratado há vários anos pelo PT devido a dois itens de seu currículo: matou muitos tucanos à estilingue em sua infância e também pelo tamanho do saco de maldades que ele sempre carregou consigo - enorme, gigantesco, maior que o Brasil.
        Um partido precisava de um marqueteiro? Lá ia João Santana, caminhando lentamente, arcado pelo peso de seu saco de maldades, todas elas abomináveis; começava a entrevista com quem pretendia contratá-lo e ele as ia tirando, uma a uma, até esvaziar o saco. Consta que as maldades que mais agradaram Dilma e Lula foram aquelas do gênero “mentiras que parecem verdade”. E são muitas ! Nesse item o saco era especialmente inesgotável.
        Contra Aécio não foi necessário usar nem um décimo delas, o que corresponde a dizer que o candidato “não deu nem pro cheiro”, como se dizia antigamente. E por falar em cheiro, sobraram maldades, muitas e muitas, de modo que o saco nem chegou a ser esvaziado pela metade.
        A maldade principal foi na linha de um preceito da publicidade, de que as mentiras devem ser repetidas, repetidas, repetidas, repetidas, porque é através da repetição exaustiva que elas passam a ser aceitas como verdade. A principal delas: os tucanos vão acabar com os programas sociais amplificados pelo PT. Bateram tanto nessa mesma tecla que até os líderes tucanos começaram a acreditar que seriam capazes de acabar com os programas que eles mesmos criaram lá atrás. Não fosse desse jeito como entender a declaração de Armínio Fraga, indicado ministro da Fazenda de Aécio, caso eleito, de que faria ajustes de tal monta nos bancos estatais que muito pouca coisa iria sobrar deles? Disse isso, no auge da campanha, com o firme propósito de "ajudar" Aécio.
        O que sobra como reflexão para o eleitor depois dessa prosopopéia eleitoral é avaliar se não seria mais interessante para todos os cidadãos colocar o João Santana como presidente da República e aposentarmos o seu saco de maldade para sempre, para tranquilidade geral da Nação?


(Imagem de João Santana)

25/10/2014

Debate: deu dó da Dilma !

       Sou jornalista há mais de quarenta anos e fui condicionado pela profissão a olhar para esses eventos de campanha eleitoral, como debates, de um modo isento e desapaixonado. Foi o que fiz nesta sexta-feira à noite no último embate entre Dilma e Aécio, pela TV Globo. Não sei se Dilma estava cansada, nervosa, ou algo que o valha, mas devo dizer que seu desempenho desta vez foi fraco, patético, digno de dó. Foi triturada por Aécio do começo ao fim. Seu desempenho no debate na TV Bandeirantes, há dias atrás foi, digamos, bem melhor.
        A lição de casa que lhe passaram os marqueteiros desta vez não funcionou. O país acordou com denúncias bombásticas da revista Veja- o material era tão forte que a revista antecipou em um dia sua circulação, justamente para poder influenciar o pleito de domingo-  de que Lula e Dilma conheciam par-e-passo o sistema de corrupção na Petrobras, não apenas conheciam como tiraram proveito dele. As informações foram obtidas pela revista por vazamento de um depoimento do doleiro Alberto Youssef, à Polícia Federal, preso no Paraná e sob regime da delação premiada. Questionada por Aécio sobre o assunto, Dilma limitou-se a dizer que era tudo mentira e armação da revista contra ela e seu criador, Luiz Ignácio Lula da Silva. E ficou nisso. Ignorou simplesmente as informações da própria revista de que a mentira no regime da delação premiada é punida com a suspensão de todos os benefícios concedidos, que não são poucos.
        A resposta pode ter sido suficiente para os petistas fanáticos e dispostos a se manter no poder a qualquer preço, para mim não foi. E acho que a história tem um ponto de inflexão importante que os eleitores devem considerar; se a denúncia da revista tiver tal impacto na opinião pública que Dilma venha a ser derrotada no domingo e posteriormente ficar demonstrado que era tudo invenção da revista e sua fonte estas eleições  poderão ser impugnadas por fraude e a revista pode ser até mesmo fechada pela Justiça Eleitoral.
        Mas não foi a penas nesse ponto que, a meu ver, Dilma naufragou. Eu não consegui anotar um só ponto em que ela foi superior. Escrevi um texto neste Blog durante esta semana para comentar a força de dois argumentos que Dilma havia lançado em seu programa eleitoral: a omissão do governo tucano paulista na reserva de água para enfrentar a atual seca e as declarações de Armínio Fraga, já indicado por Aécio como seu Ministro da Fazenda, de que fará tamanho ajuste nos três bancos estatais - Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES - que poderia levar essas instituições ao aniquilamento. Antes de ser atacado, Aécio desarmou sua adversária, primeiro dizendo que a atual estiagem, “a mais longa dos últimos 80 anos”, não atinge apenas São Paulo, citando vários outros estados que sofrem na mesma intensidade do território paulista; depois, em outro momento do debate, admitiu que vai continuar praticando uma boa política de subsídios através dos bancos estatais, que precisam, antes de mais nada, ser desaparelhados.
        Este debate da Globo trouxe de volta aquele expediente, já usado pela emissora em debates anteriores, de reunir ali, ao vivo, um grupo bem representativo de “eleitores indecisos” para formular perguntas aos candidatos. Pobre Dilma! Ali foi um verdadeiro massacre do Aécio parlamentar, tribuno loquaz, imbatível. Dilma deveria ter rejeitado esse formato, pois a supremacia de Aécio pode ter-lhe custado a eleição.

(Imagem do debate de 24/10/2014, Dilma e Aécio)

24/10/2014

Império da mentira e da insinuação

        O PT tem-se mantido no poder durante esses doze anos - e a concluir pelas últimas pesquisas de opinião ali permanecerá por mais quatro - graças a um casamento perfeito entre mentira e insinuação. O leitor já deve ter percebido como isso - esse casamento, capaz de deixar Paul Joseph Goebbels, o Ministro de Propaganda de Hitler, no chinelo - funciona.  
        Primeiro, por exemplo, a militância do partido espalha pelo país afora que o adversário vai acabar com o Bolsa Família (mentira); em seguida, pelo programa gratuito do TSE, apresenta a frase “Dilma, a garantia de que o Bolsa Família será mantido” (insinuação). Pronto, a campanha vai parar na lama, esbraveja Aécio, esquecendo-se que é na lama que certas lideranças políticas se movimentam melhor.
        Serra, Marina, Alckmin e agora Aécio foram vítimas dessa infâmia e, sinceramente, não vejo como acabar com isso. Já pensei em colocar o Bolsa Família na Constituição, mas pouco adiantaria, pois o pessoal do PT conseguiria, facilmente, convencer o eleitor menos esclarecido de que seus adversários têm força para mexer na Constituição e derrubar emendas “inconvenientes” para o desenvolvimento do país.
        É lamentável dizer isso, mas a impressão que tenho é que esse tipo de jogo sujo só vai desaparecer de cena quando o PT enfrentar um partido tão inescrupuloso quanto ele, um adversário que seja capaz de espalhar o boato de que a corrupção foi tanta naquele ano que os bancos estatais estão sem dinheiro para pagar as aposentadorias (mentira); no horário político da semana seguinte apareceria a frase “Fulano de Tal, a garantia de que as aposentadorias serão pagas rigorosamente em dia”. Que tal, hem Lula?

 
(Imagem da Dilma)

22/10/2014

O dilema de Aécio

        A equipe de Aécio cometeu, a meu ver, dois erros estratégicos graves que podem custar-lhe a eleição:

1º) Deixar em aberto, sem nenhum desmentido ou contraposição, a história do abastecimento da água em São Paulo, apontado por Dilma como o " jeito tucano de governar".

2º) As declarações de Armínio Fraga de que fará, uma vez investido no cargo de Ministro da Fazenda de Aécio, ajustes nos três bancos estatais - Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES - que podem levá-los quase ao aniquilamento.
        A denúncia de que o governo tucano paulista negligenciou o problema de água, não fazendo os investimentos que precisavam ser feitos em reservas adicionais ao sistema Cantareira, foi levantada primeiro por Paulo Skaf, adversário peemedebista do tucano Geraldo Alckmin, e reapareceu agora em escala federal na campanha de Dilma. Alckmin estava tão bem posicionado nas pesquisas que se deu ao luxo de virar as costas para tudo o que Skaf disse ou deixou de dizer. Se fizer o mesmo nessa escala nacional, Aécio pode perder a eleição.
        Armínio Fraga, por sua vez, mirou exclusivamente nos mercados ao falar o que falou sobre os bancos estatais; esqueceu-se de que nem tudo o que agrada os mercados agrada também os eleitores. Os mercados detestam subsídios e os eleitores sabem que eles, os subsídios, são extremamente necessários num período de juros colocados na estratosfera. São necessários para irrigar a micro e pequena empresa de créditos, para financiar a casa própria, para alavancar o consumo e  driblar certas ondas recessivas, aliás, como o PT fez muito bem no período Lula.
        São, enfim, dois pontos a merecer rápida e grande reflexão por parte de Aécio se é que ele entrou nessa balada para vencer.

(Imagem de Aécio)
 

18/10/2014

Um destruidor de sonhos

        Um repórter, acho que do CQC, aproximou-se de Lula e perguntou: e agora presidente, já está se preparando para voltar? Ele deu a impressão que tinha a resposta pronta no bolso da lapela: - Eu tenho 69 anos; com essa idade tenho de lutar para permanecer vivo nos próximos quatro anos.
        Acabou a entrevista. Ficou nisso. Lula falou de costas viradas para os avanços da Medicina, para a realidade já presente no Brasil, de que as pessoas estão vivendo mais e entrando nos 70 anos ainda cheias de vitalidade, de sonhos por realizar. É como se o grande líder do PT tivesse dito às pessoas de sua idade: “Obrigado, meu caro, por tudo o que você fez pelo país até agora, mas a partir desse instante comece a se preparar para morrer. Fique em silêncio num cantinho da casa e espere, espere a hora em que a morte venha lhe buscar”.
        Lula esqueceu-se de que Tancredo Neves, avô de Aécio, o maior adversário do PT nestas eleições, tinha 75 anos ao morrer (uma fatalidade o roubou do Brasil) e no momento em que  se preparava para assumir a Presidência da República depois de enfrentar, estoicamente, a batalha que  foi sua eleição pelo Colégio Eleitoral, único meio permitido pelos militares com objetivo de retardar o máximo possível as eleições diretas. Tancredo não era de fugir aos desafios; um ano antes, portanto já com 74 anos, capitaneou a campanha das diretas, perto da qual, em matéria de esforço físico, uma campanha a presidente hoje lembra uma brincadeira de jovens estudantes. Quando adoeceu, tivesse Tancredo se internado no mesmo hospital onde Lula tratou seu câncer (Sírio Libanês, em São  Paulo) muito provavelmente teria concluído seu mandato presidencial com lucidez, poder de discernimento, capacidade mineira de articulação, tudo o que o país esperava dele.

        Falou também, o líder do PT, de costas viradas para os avanços de expectativa de vida no Brasil, que no período em que o seu partido está no poder deu vários saltos, situando-se hoje, segundo o IBGE, em 75 anos. Lembremos ao desanimado líder do PT que a expectativa de vida de um país é calculada pela média de vida das pessoas e que gente como ele ou como seu filho empresário vivem muito mais, pois dispõem de recursos para curar seus males em hospitais de ponta, o que há de mais moderno em Medicina no país.


(Lula, hospitalizado, recebe visita de FHC em seus 82 anos )

14/10/2014

Cópia mal feita de nós mesmos

       Temos esperado com ansiedade, aqui em casa, que os médicos do Lucy Montoro marquem a data da minha terceira internação. Lá dentro estará à minha espera uma série de exercícios físicos, instrumentados, coordenados, intensivos, que  serão aplicados com o propósito de me levar a voltar a ser uma cópia a mais parecida possível daquilo que já fui. Este é, sem tirar nem por, o objetivo da maioria das terapias que o Instituto Lucy Montoro e outras instituições de ponta têm para oferecer às dezenas de pessoas que as procuram. É ao mesmo tempo cruel e alentador.
      Tomemos como exemplo meu braço direito, cujos movimentos foram embora espantados pelo AVC que me atingiu no final de julho de 2013. Já se passou mais de um ano, foram meses de terapia ocupacional, incluindo várias sessões na frente de uma tela de computador (excelência em matéria de robótica aplicada  à reabilitação), tudo para trazer-me os movimentos de volta e o que eu tenho hoje é uma cópia mal produzida do que esse meu braço fazia nos tempos da normalidade. Ainda não consigo levantar com ele e levar à boca uma xícara grande carregada de leite e café.
      Estou sendo ingrato com os terapeutas: quando entrei, pela primeira vez, no Lucy Montoro, não conseguia levar nada à boca, nada, nem uma xícara grande, nem pequena, meu braço gostava de ficar colado à barriga e, no começo, nem a mão eu conseguia abrir. Minha evolução de lá para cá foi extraordinária. A cada dia que passa dependo menos da cuidadora, minha mulher, ou do cuidador, um dos meus quatro filhos.
       Voltar ao que eu era antes ? Impossível, o AVC veio para deixar recordações para o resto da minha vida. Treine, treine e treine, recomendam os terapeutas. É desagradável, muitas vezes dolorido, mas o caminho é só este - mexer com músculos e nervos até que o cérebro acorde e reassuma seu nobre papel de comandar os membros superiores e inferiores.
       Meu AVC foi raro, dizem os médicos fisiatras. Normalmente, eles, os AVCs, paralisam os membros do lado esquerdo; no meu caso, a paralisia atingiu o lado direito. Quando se começa com a fisioterapia, o normal é voltarem o pé e a perna paralisados; no meu caso, a volta se deu pela mão e braço. Ainda não sei o que isso significa na prática, mas não esmoreci e espero não esmorecer até o fim da jornada, que é longa.
       Nas terapias de reabilitação, os avanços são lentíssimos. Na minha primeira internação no Lucy- fevereiro a março de 2014 - eu não fazia nem 30 segundos de “aviãozinho”. Levei seis meses de exercícios diários, persistentes, para conseguir fazer hoje dois minutos ou pouco mais. Creio que você, caro leitor, não sabe o que é aviãozinho, pois aprenda o que é fazendo junto comigo: abra os dois braços, bem na horizontal, e trate de sustentá-los assim no maior tempo que você conseguir; isto é o aviãozinho, uma santa terapia de reabilitação do braço, segundo Amanda , terapeuta ocupacional do Lucy.
       Na minha segunda internação, o braço caminhou celeremente rumo à reabilitação e a perna ficou para trás. Tive uma complicação após a infiltração de fenol na perna direita, de modo que mais da metade das sessões de fisioterapia foi dedicada a diminuir a sensibilidade. Tive um começo intensivo, abortado pelo problema que senti. “É raro, mas acontece”, explicou-me o doutor Ricardo, fisiatra. A meta de me fazerem andar foi adiada, objetivo da terceira internação, imagino.
       Uma coisa eu já pressinto: voltar a andar, no meu caso, será com ajuda de algum instrumento, andador, bengala, qualquer coisa do gênero, o que para mim já será motivo de grande felicidade. Só os que tiveram ao menos um dos membros inferiores paralisados serão capazes de imaginar a angústia de um homem preso à cama e que só consegue desprender-se dela com ajuda de alguém.
           - Benzoca! Benzoca! - são meus gritos ecoando pela casa, chamando minha mulher, Suzana, pelo jeito carinhoso que eu a tratava quando nos conhecemos há mais de quarenta anos atrás. Slap, slap, slap... Ainda na cama ouço o barulho do chinelo que parece trazê-la até mim. Ela chega sempre com disposição, flexiona meu pé direito umas trinta vezes, depois a perna direita umas vinte vezes.  Em seguida, dou-lhe as duas mãos, ela me puxa com uma força, força do amor, presumo, que parece inesgotável.  Assim me embarca na cadeira de rodas. Pronto, estou em condições de começar o meu dia.
       Tomo meu café da manhã que já está na mesa, se não estiver chovendo eu mesmo conduzo a cadeira a  um pátio ao lado da cozinha e vou ler  meu jornal e tomar meia ou uma hora de sol. Em seguida vou para a sala onde está à minha espera um computador conectado à Internet.
       Por tudo isso-e muito mais-, eu aconselho amigos e leitores: quem não tem sua Benzoca trate logo de arranjar!  



12/10/2014

Irmãos coragem

        Soube pouca coisa dos dois. Sei que são irmãos, moravam no interior da Bahia, e que ali (Lucy Montoro, Morumbi, São Paulo) estavam porque o mais novo ficara paraplégico num acidente de moto. Ambos são muito jovens ainda. São imbatíveis no dominó. Pois bem, estávamos numa roda de conversa no andar de recreação e o mais jovem, para admiração geral, revelou que seu sonho era sarar logo para comprar uma moto ainda mais possante do que aquelas que já teve.
       Restou-me contar aos dois uma velha anedota.O homem seguia por um trilho, apressado, quando Deus apareceu e perguntou:
       - Aonde você vai?
       E o homem, sem titubear, respondeu:
       - Eu vou para o boteco beber pinga!
       Deus, então, replicou:
       - Se Deu quiser, não é?
       O homem revidou:
       - Olha, velho, se Deus quiser eu vou, e se Deus não quiser, eu vou assim mesmo!
       Deus, então, retrucou:
       - Ah, é? Vira um sapo aí.
       Atirou o sapo numa lagoa e foi embora.
       Mais de quinze anos depois, Deus lembrou-se dele, voltou à lagoa e ordenou que o sapo virasse gente de novo. Mal voltou a ser gente o homem pegou novamente o caminho do boteco e Deus, convencido de que o castigo mudara a vida daquele ser, pergunta:
       - Ei, aonde você vai?
       - Quem? Eu?
       - É claro que é você. Quem mais seria?
       - Eu vou para o boteco beber pinga!
       - Se Deus quiser, não é?!
       - Olha meu velho, se  Deus quiser eu vou e se Deus não quiser eu viro sapo de novo!

(Cena da novela Irmãos Coragem, 2ª versão)

11/10/2014

Velha injustiça com a sogra (4 de 5)

       No domingo à noite soubemos que na segunda-feira era ponto facultativo nas instituições de Saúde, de modo que as atividades no Lucy Montoro não seriam normais. A tarde seria de descanso e a manhã dividida em algumas reuniões temáticas, por disciplina. Ainda estávamos no quarto quando uma das enfermeiras chegou com instruções: deveríamos descer para o “menos um” e ali procurarmos uma sala onde ocorreria uma reunião com a Psicologia. Assim fizemos.
       Era uma sala apertada, onde uns doze cadeirantes tiveram dificuldade para se acomodar. Logo chega a coordenadora e diz: - Hoje, um de cada vez, todos terão a oportunidade de contar a sua história e dizerem porque estão aqui.
       Não deu nem tempo. No mesmo instante, um homenzinho acomodado à minha direita pediu a palavra e mandou ver. Em menos de dois minutos derramou ali uma série de tragédias que haviam ocorrido com ele, deixando nós todos compungidos e perplexos; em seguida, deu uma respirada e continuou... “aí, aí, morreu minha sogra “. Não conseguiu continuar. Uma paciente com um rostinho redondo, malicioso, o interrompeu para dizer:
      - Morreu sua sogra ? Para por aí! Que ótimo! Ainda bem que aconteceu algo de bom com você, depois de tanta tragédia!            
       A reunião terminou para mim. Dei risada por mais de meia hora.


(Uma anedota sobre sogra)

10/10/2014

Apaguem a luz, por favor! (3 de 5)

        Usei nome fictício nesta nota para proteger o personagem, mas a história é verdadeira e presenciada por mim.
        Sei pouco sobre seu José da Rocha. É um senhor de uns 60 anos de idade, falante, alegre. Fazíamos algumas atividades juntos e era só. Uma tarde participei com ele de uma mesa redonda da Psicologia, uma das atividades no Lucy Montoro. 
        A tarefa estabelecida a cada paciente era matar uma charada proposta pela coordenadora da mesa. A pergunta era feita com antecedência a cada um, de modo que na maioria das vezes todos já haviam matado a charada antes da pessoa a quem era dirigida a pergunta. Ninguém podia revelar a resposta em voz alta.
        Quando a charada foi proposta a seu José todos descobrimos que a resposta correta era “lua cheia”. Mas seu José encalhou. Não havia jeito de acertar. Deu chute para tudo quanto foi lado, mas só mandava bola para as arquibancadas. Nisso, ao perceber que o tempo passava e seu José continuava longe do alvo, a coordenadora resolveu dar-lhe uma ajuda:
        - Seu José, olha, pense na luz que os namorados mais gostam...
        - Luz que os namorados mais gostam? Ah, já sei, luz que os namorados gostam é a luz apagada! 


(Imagem de um casal abraçado e a Lua cheia ao fundo)

09/10/2014

Só faltou o Louro José (2 de 5)

        Usei nome fictício nesta nota para proteger o personagem, mas a história é verdadeira.
        Antônio da Prata é do interior de São Paulo e foi parar no Lucy Montoro depois de levar um tiro. É trágico, mas ele faz questão de dar umas pinceladas de humor na própria desgraça: “Eu sou o cara errado que estava no lugar errado. Entrei num bar na minha cidade e, de repente, como se saísse do nada, apareceu um maluco dando tiro para tudo quanto é lado. Tinha mesmo de sobrar pra mim: uma bala me acertou nas costas. Fiquei paraplégico.”
        Em casa, uma sobrinha de Antônio foi pondo bichinhos de pelúcia numa prateleira que havia em seu quarto. Dali uns tempos ele contratou uma enfermeira e no primeiro dia de trabalho pediu à moça que lhe trouxesse o “papagaio” (recipiente que os cadeirantes usam para fazer xixi). Primeiro a moça percorreu os olhos pela prateleira dos bichinhos de pelúcia para depois pedir ao aflito paciente:

        - Seu Antônio, não estou vendo nenhum papagaio! Não serve um pinguim?

(Foto do Louro José)

08/10/2014

Uma gerente para as coisas do ALÉM - (1 de 5)

       Algumas semanas depois de eu haver sofrido o AVC, meus filhos contrataram uma enfermeira - Edilene, mineira de Porteirinha, torcedora fanática do Cruzeiro - para ajudar minha mulher a cuidar de mim. Era gordinha, alegre, faladeira e tinha um grande senso de humor. Quando chegava em casa eufórica, já sabíamos: o Cruzeiro havia ganhado mais uma. Aliás, o time deu a ela muitas alegrias naquele ano - 2013.
       Passávamos o tempo conversando no meu quarto, um contando histórias para o outro. Um dia ela me conta que, antes de começar a trabalhar comigo, havia feito várias entrevistas com os filhos de uma mulher que estava hospitalizada em Valinhos. A missão seria cuidar dessa paciente. Saiu da última entrevista com a certeza de que fora aprovada e seria chamada para iniciar o trabalho dali a três dias:
    - O prazo venceu e cadê que me chamam? Fiquei até irritada com a família. Deixei passar uns quatro dias e resolvi ligar para saber o que havia acontecido. É lógico que não podiam ter-me chamado: a paciente havia morrido.
       Aí resolvi brincar com a engraçada Edilene:
    - Já pensou se ela, a morta, liga e ...
       Na mesma hora,  Edilene, com uma das mãos imita estar recebendo uma ligação pelo “celular” e “conversa” com a morta:
    - Alô, quem fala? Dona Fulana, o que a senhora deseja?
    - Vem me ver, Edilene.
    - Onde a senhora está, dona Fulana?
    - Estou no inferno, Edilene.
        No mesmo instante, ainda rindo, meu filho Ives, que ouvira toda a história, desde o começo, diz para Edilene, interpretando também a falecida:
     - Parabéns, Edilene. Você acaba de ser promovida: vai cuidar agora do nosso departamento do Além!
     - Deus me livre!, reagiu Edilene.
     Contei essa história para o pessoal reunido na copa do sétimo andar do Lucy Montoro e todos ali deram boas risadas.



(Desenho de um fantasma com um celular)

06/10/2014

Minhas candidatas foram eleitas!

        A surpresa vem com a lista dos candidatos eleitos tanto para deputado estadual como para federal: quando você encontra nela os nomes dos candidatos nos quais você votou, isto é motivo de grande felicidade, como aconteceu comigo nestas eleições, já que minhas duas escolhidas- estadual, Célia Leão; federal, Mara Gabrilli- estavam lá e com ótima votação. Ambas são cadeirantes, uma paraplégica (Célia), a outra (Mara) tetraplégica e foram parar, ainda muito jovens, numa cadeira de rodas em consequência de acidentes automobilísticos, uma das causas principais desse tipo de lesão medular no Brasil.
        Não foi, contudo, o fato de serem cadeirantes que fizeram por merecer o meu e o voto de tanta gente: não posso falar em nome dos mais de 254 mil eleitores das duas- 93. 318 no caso de Célia e 161.318 no caso de Mara- mas posso dizer que ambas transbordam méritos, sobretudo na luta destemida que travam em favor da acessibilidade urbana. Foi Mara que me chamou atenção para a amplitude que a acessibilidade deve ter nas pequenas e grandes cidades. Não basta implantar uma rampa, que muitas vezes liga o nada a lugar nenhum, e dizer que assim criou acesso. Agora que tornei-me também um cadeirante, começo a falar do assunto com propriedade, o que sempre fizeram Mara e Célia. Acesso é criar para tetraplégicos, paraplégicos, hemiplégicos, cegos, surdos, mudos, albinos, portadores de doenças genéticas e todo tipo de restrição física, facilidades que tornem possível a essas pessoas frequentar ambientes públicos em condições de igualdade-relativa a todos os demais.
        Essas eleições foram muito especiais para mim, pois além de votar consciente, ainda abri meu voto através deste Blog e devo ter influenciado, a concluir pelos telefonemas e mensagens que recebi, muitas outras pessoas, dentro e fora do estado. Uma sobrinha, Solange, filha de meu irmão Mauro, que é médica e trabalha em Niterói, RJ, passou-me uma mensagem pelo Facebook indagando se eu podia indicar algum candidato para ela e eu respondi: “No Rio, eu posso dizer em quem eu não votaria de modo algum, mas não me arriscaria dizer em quem votaria; eu não votaria no Romário, pois um ex-atleta que aceita fazer propaganda de cerveja tornou-se indigno do meu voto; e não votaria no Garotinho pelo seu passado”.



05/10/2014

Votei ! Mandei tucano na cabeça!

        Deputada estadual: cravei Célia Leão, PSDB; deputada federal,votei em minha amiga Mara Gabrilli, tucana também; para senador, votei em José Serra, tucano; para governador, cravei Geraldo Alckmin, do PSDB e finalizei meu voto em Aécio Neves
        Não sou tucano convicto, de carteirinha. Acho que você, em eleição, deve-se deixar levar um pouco pela correnteza, não totalmente, mas um pouco só. Também nunca fui antipetista radical. Diria que sou - sempre fui - um observador atento do cenário político. Já votei no Lula para tentar barrar a ascensão de Collor, meio que intui o desfecho  da chegada de Collor ao poder. Não faz muito tempo, defendi com veemência o PT numa discussão interna do Lucy Montoro ao lado de uma senhora que fez um discurso daqueles figadais contra o PT. E meus argumentos foram até simples: penso que não foi o PT que inventou a corrupção e não se pode negar o peso do partido na melhora e ampliação dos benefícios sociais alcançados pelo Brasil neste período um tanto longo que o partido permaneceu no topo do poder.
        Acho, contudo, que o PT se exauriu dentro do próprio PT. Dilma Rousseff, ao longo de seu primeiro mandato, um pouco por teimosia, um pouco por inexperiência  e com uma grande dose de arrogância, tem proporcionado um fim melancólico ao potencial do PT em produzir mudanças para melhor. Acho que o grande erro de Dilma foi ter-se oposto à volta de Henrique Meirelles ao Banco Central. Ela, Dilma, foi incapaz de perceber que foi ele - e só ele - quem deu sustentação à política econômica nos dois mandatos de Lula. Se não fosse Meirelles, um quadro originalmente do PSDB, o governo de Lula jamais teria alcançado a performance virtuosa que alcançou. Poder, já dizia Espiridião Amin, você tem de pegar com a esquerda e tocar com a direita, como o violino.
        Foi por pensar desse jeito que eu resolvi na última hora pular fora do barco da Marina e cair no barco do Aécio Neves. Foi a correnteza que me levou a fazer esse movimento reverso a duas horas antes de votar. Por ironia do destino, talvez, eu e as pessoas que consegui influenciar, votamos a favor do PT, pois me pareceu óbvio que o PT torcia para Dilma enfrentar Aécio invés de Marina no segundo turno. Deixemos que as urnas dêem o veredicto final após o segundo turno.
        Não estou convencido de que Dilma baterá fácil o mineiro Aécio, mais por ser mineiro e menos por sua candidatura ter consistência superior à de uma candidata que está no poder. As armas dos dois gladiadores serão desiguais. As chances de Aécio estão na sua capacidade de orador contundente e corajoso. Não nos esqueçamos que sua ida para o segundo turno se deveu  com certeza ao seu desempenho no debate da Globo, onde conseguiu cravar a pecha de mentirosa à sua principal adversária por sua participação no episódio da demissão de Paulo Roberto Costa da diretoria de Petrobras: A senhora lançou a demissão premiada de corruptos, esgrimiu Aécio, dono de uma retórica perfeita.
        A mina onde foi encontrada essa pedra rara- Paulo Roberto Costa- ainda é bastante fértil.  


03/10/2014

Debate sem debate

        Daqui a cem anos, se a Globo da época promover um debate com os candidatos a presidente, estejam certos que a Luciana Genro estará lá - ou alguém como esta Luciana Genro do presente, tão intolerante como esta, tão pretensiosa como esta ou tão arcaica como esta. Ideias como essa menina do Rio Grande do Sul defende são perenes, não morrem nunca, permanecem ali, vivas, e serão sempre capazes de encantar jovens incautos ou adultos que não veem o tempo passar.
        A participação dessa moça no “debate” de ontem na Globo foi um exemplo do fôlego de gato  dessa velha esquerda que o passar do tempo, fracassos retumbantes, rejeições massivas, descalabro de regimes, não consegue apagar. A discussão que ela e Levi Fidelis tiveram lembra uma briga barulhenta, hercúlea, entre dois dinossauros, um da esquerda, outro da direita, ambos completamente obsoletos, apenas os dois é que não se dão conta de que o público, ao qual ambos se dirigiam, fugiu das ideias que defendem como o diabo foge da cruz.
       
Essa introdução foi necessária dentro do propósito deste artigo - comentar o “debate” de ontem à noite na TV Globo - como registro do que ocorreu de mais importante no encontro de presidenciáveis. Mesmo a discussão entre Luciana e Levi Fidelis, com discreta participação do verde Eduardo Jorge, não foi debate, pois quem, como eu, não viu o encontro anterior promovido pela Record, não entendeu patavina do que falavam. Eu poderia ter lido os jornais, mas, sinceramente, resolvi não perder meu precioso tempo inteirando-me do que disse ou deixou de dizer um candidato que a duras penas só agora atinge um por cento das preferências eleitorais.
        É triste, mas temos de admitir que mais esse encontro de presidenciáveis teve de tudo - ofensas, críticas, rasteiras, frases de efeito - menos debate no plano de ideias ou revelações importantes sobre o que cada um fará se vencer as eleições. Porque não houve nada disso? Simples: porque os candidatos admitiram ser “encaixotados” pelo regulamento televisivo, que não abre espaço para discussão e debate em torno dos grandes temas nacionais. Foi assim também na TV Bandeirantes e, pelo que soube, na TV Record.
        Mais que isso, eu  só percebi a fluência verbal do Aécio, o nervosismo de Dilma ao defender-se dos ataques impiedosos aos escândalos da Petrobras, e o “discursinho” articulado de Marina Silva, que me pareceu a melhor candidata do grupo. Se a campanha persiste por mais um mês, Dilma e Marina perderão  a voz. Ambas já se apresentaram inteiramente afônicas.


(Foto com os candidatos a presidente que participaram do debate)