Fui chefe da sucursal de Curitiba dos jornais Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde por 16 anos (de 1976 a 1991) e foi ali que eu me tornei amigo e admirador de ambos. Com Valério, aprendi a força que o relacionamento com empresários pode ter na vida de um jornal de economia e negócios. Valério Fabris passara oito anos na condição de correspondente da Gazeta Mercantil no Paraná.
Quando deixou Curitiba para assumir postos de maior importância na empresa, quase mil empresários de todos os calibres compareceram à festa de despedida! Quem lá esteve, como eu, ficou de queixo caído em observar o prestígio do jornalista junto ao público-alvo da Gazeta Mercantil.
Com Cláudio Lachini (sua morte em 2015 me deixou desolado), aprendi muito sobre criatividade, inovação e espírito empreendedor... Ele fora mandado a Curitiba no começo dos anos 1980 para implantar a Unidade de Negócios do Paraná. Inventou uma espécie de “unidade itinerante” da Gazeta Mercantil pelo Estado e tornou o jornal presente e forte em todos os mercados dinâmicos do interior, de Apucarana a Londrina, de Maringá a Campo Mourão, de Cascavel a Foz do Iguaçu... Suas marcas de receita e prestígio nunca foram superadas.
REENCONTRO EM SÃO PAULO
Em 1988, eu também retornava a São Paulo, a convite de Rodrigo Mesquita, para integrar o time de jornalistas que iria transformar a AE - Agência Estado (grupo Estado) de agência de notícias em agência de informações. Fui responsável então pela implantação de uma nova rede de sucursais da AE em todo o Brasil.
Já tentara emular o modelo operacional da Gazeta Mercantil: um jornalista nomeado como espécie de Publisher, responsabilizando-se por todas as operações da empresa regionalmente. Era uma ótima fórmula, nunca tive qualquer dúvida...
Reencontrei-me com Cláudio Lachini em São Paulo, eu como diretor comercial da AE e ele como diretor comercial da Gazeta Mercantil. Foi ele que me convidou a assumir a unidade de Campinas...
Cláudio Lachini passou-me as instruções e junto com elas veio uma descrição sumária do que era o plano estratégico em andamento:
- Com as unidades regionais, pretendemos realizar uma ocupação horizontal do país e seus principais mercados. Prepare-se para lançar logo mais o jornal regional de Campinas. Ele será o instrumento pelo qual a Gazeta Mercantil fará a sua inserção vertical, nos mercados regionais e na comunidade.
Antes de tomar posse em Campinas, tive meu primeiro contato com Luiz Fernando Levy, o comandante. Foi um encontro rápido e frio. Aprofundou um pouco a orientação que me havia sido passada por Lachini e acrescentou:
- Os assuntos relacionados ao institucional da Gazeta, você trata diretamente comigo. Pode me ligar quando tiver necessidade.
Em Campinas, saí a campo, já vestido com a camisa do Publisher. Visitei empresários, executivos das grandes corporações, lideranças empresariais, políticas e sociais. Apresentava-me, falava do plano estratégico da empresa e deixava implícito que iríamos interagir dali em diante com intensidade. “Enxerguem na Gazeta uma ferramenta de ajuda na solução dos problemas que afligem o setor empresarial na região”, concluía assim as inúmeras reuniões.
Marcava eventualmente encontros de grupos de empresários ou visitas às empresas com a presença de Levy, que se mostrava sempre disposto a ajudar o seu time de diretores regionais, chamados de senadores internamente, não se sabe se por ironia ou respeito.
FRUTOS SURGIRAM EM POUCO TEMPO
O trabalho frutificou. As pessoas estavam ansiosas por interagir com a Gazeta. Comecei a receber telefonemas, um deles, aliás, bastante curioso:
- Você não sabe a alegria que eu tenho em ouvir a sua voz e descobrir que você está vivo. Liguei na certeza de que receberia a informação de que você havia morrido ontem, disse-me o então secretário do desenvolvimento da Prefeitura de Campinas, Manoel Carlos dos Santos.
Recorri rápido ao jornal da cidade e fui direto à coluna necrológica: no dia anterior havia morrido, em Campinas, um contador de nome Dirceu Pio. Alguém abrindo a vaga pra mim, imaginei.
Lembrei-me também, nessa época, de uma das histórias contadas por Valério Fabris. Ao desembarcar em Florianópolis para assumir, no final dos anos oitenta, a unidade regional de Santa Catarina, Valério recebe um telefonema do então governador do estado, Espiridião Amin, que lhe dava as boas vindas. Marcaram um almoço para se conhecer pessoalmente já no dia seguinte. Valério, detalhista, disse ao governador:
- Irei vestido com terno azul e gravata vinho. E o senhor?
- Valério, eu não costumo usar peruca, replicou Espiridião Amin, o dono da calvície mais radical entre os políticos brasileiros.
Formei a equipe – Ana Carolina Silveira, Ana Heloísa Ferrero, Agnaldo Brito, Maria Finetto, Angela Gusikuda, Cacalo Fernandes – cuidando da redação e Alberto Luiz Ferreira e Alexandre Catani cuidando das vendas de publicidade e de assinaturas – e intensifiquei contatos com empresários.
Em menos de seis meses, começávamos a colher resultados: o gráfico das receitas iniciaria um longo e pronunciado curso de altas mensais e sucessivas...
Aquilo que a Gazeta definira por Região de Campinas era bem amplo: incluía os municípios de Sorocaba, Jundiaí, Piracicaba, Americana, Limeira e dezenas de outras cidades menores, que no conjunto formavam uma megalópoles com mais de 4 milhões de habitantes – e era o segundo polo brasileiro em produção industrial, perdendo apenas para a Grande São Paulo...
Haja pernas e disposição para fincar a bandeira da Gazeta em toda parte!
E SURGE O PLANALTO PAULISTA
Em menos de um ano, lançávamos o jornal regional de Campinas. Chamava-se Planalto Paulista. Eram na verdade de seis a oito folhas encartadas de segunda a sexta-feira no jornal-mãe com circulação restrita nos municípios da região...
A ideia era simplesmente sensacional e nunca entendi porque, mesmo após o desaparecimento da Gazeta, nenhum outro jornal a tenha copiado!
Em praticamente todas as visitas que eu fazia – e eram muitas! – encontrava sobre a mesa das principais lideranças empresariais exemplares do jornal regional rabiscados ou recortados em sinais evidentes de que era uma mídia útil e necessária... Foi possível perceber a importância da cobertura sistêmica de economia e negócios regional!
Em menos de um ano de circulação, os jornalistas a serviço do regional eram identificados em coletivas como repórteres do Planalto Paulista, quer dizer, o filhote tomando o lugar da mãe...
IDENTIFICAR PROBLEMAS
Meu passo seguinte foi identificar os mais graves problemas regionais e examinar como a Gazeta poderia contribuir com a solução! Não demorei a trombar com o problema da água: a natureza e as circunstâncias não foram nada generosas com a região de Campinas...
Começa que o sistema Cantareira, feito pra abastecer a Grande S. Paulo, rouba, lá na cabeceira, boa parte das águas dos rios (Jundiaí, Capivari-Cachoeira, Atibaia, Piracicaba) que passam pela região. Já descem mambembes e pelo caminho eram drasticamente detonados pelo lançamento de esgotos urbanos e industriais...
Não bastasse essa dupla tragédia, havia o grave problema geológico: uma faixa enorme do território de Campinas e vários municípios vizinhos (Vinhedo, Valinhos, Paulínia, Jaguariuna) é revestida por um maciço granítico de tal espessura que torna impraticável a abertura de poços artesianos.
A situação era dramática, mas os usuários, sobretudo a indústria, não eram suficientemente informados do cenário ameaçador!
Foi fácil escrever o Projeto Água, executado com brilhantismo e entusiasmo pela equipe da Unidade!
A estrutura do Projeto obedeceu a uma agenda muito bem calculada: começou com a edição de seis cadernos temáticos encartados no Planalto Paulista e terminou com um seminário que reuniu mais de mil pessoas no auditório do CIESP, em Campinas, para discutir a cobrança pelo uso da água.
Num primeiro resultado do projeto, conseguimos alterar substancialmente a composição da estrutura dos organismos gestores da água doce no estado de São Paulo, com redução da participação do governo estadual e aumento da participação das comunidades.
“Água para todos, todos pela água”, rezava o cartaz, no formato de um pôster, que servia para difundir os objetivos do programa ... Nem nós que o idealizamos e o executamos conseguimos prever tanta repercussão – o Projeto Água conquistou vários prêmios regionais e chegou à finalíssima do Prêmio Esso.
O cartaz foi emoldurado e colocado nas paredes de um número incontável de empresas, Ongs e Prefeituras. Foi no comecinho do novo século...
NÚMERO DE ASSINANTES DISPAROU
Recebeu ampla adesão de anunciantes; produziu, como já disse, transformações básicas na estrutura de gestão das águas em SP; impactou inúmeras indústrias regionais só então alertadas para a escassez da água regional. Pode-se dizer, com segurança, que foi o Projeto Água que intensificou a racionalização do uso da água pela indústria paulista.
Lembro-me que um dos artigos publicados nos cadernos temáticos mostrava que, na França, o valor da tarifa pelo uso da água subia ou descia de acordo com os índices de poluição dos mananciais, num mecanismo extraordinário para incentivar a conservação por usuários e municípios...
Outro artigo apontava para os riscos da paralisia quando os governos açambarcam e tutelam os organismos de gestão: em nenhum dos países onde isso ocorreu houve avanço mais significativo na proteção de mananciais...
Outro resultado fantástico do projeto foi o modo como ele incentivou a leitura do jornal-mãe, tanto que as assinaturas da Gazeta Mercantil na região de Campinas, até então estacionadas na casa das quatro mil, disparou impetuosamente para encostar na marca de 20 mil, simplesmente um arrojo para um jornal segmentado... Muito mais gente quis acompanhar os conteúdos do Projeto Água e para isso era convencida a assinar a Gazeta Mercantil...
MAIS E MAIS PROJETOS
Na sequência do Projeto Água, veio o Projeto Ambiental e na sequência deste veio o Projeto Socioambiental, este com duas novidades: a instituição de um Prêmio a empresas, prefeituras, ONGS, propriedades rurais que nos apresentassem os melhores programas socioambientais e estadualização das atividades (Por determinação de Luiz Fernando Levy eu havia assumido a direção de duas outras unidades, a do Vale do Paraíba e a de Ribeirão Preto, o que permitiu ampliar a área de alcance dos projetos para quase todo o Estado de São Paulo).
Para quem estava de fora, foi bonito de ver: informadas de que ganharam um dos prêmios, prefeituras e empresas de cidades longínquas como Rio Claro, Penápolis, Caçapava e Jacareí formaram caravanas de ônibus e carros para vir a Jaguariúna, na Red Eventos, participar de um seminário e assistir à solenidade de entrega dos Prêmios – troféus confeccionados por crianças carentes de uma instituição de Campo Limpo Paulista, mais diplomas e cartelas de selos de qualidade socioambiental que as empresas poderiam colar em seus produtos...
Ao derrubar as torres gêmeas de Nova Yorque, em 11 de setembro de 2001, Bin Laden certamente não poderia imaginar que estaria matando também o maior jornal de economia e negócios da América Latina...
Ao concluir o Projeto Socioambiental, eu já sabia tudo o que estava na iminência de acontecer... depois dos atentados, a Gazeta iria amargar meses sem a entrada de um só anúncio pago e os funcionários iriam suportar meses de inadimplência salarial...
A FESTA ACABOU
Quanto realizamos a festa de encerramento do Projeto Socioambiental – nada menos de 2.500 pessoas em grande animação na Red Eventos com direito a jantar, tudo pago pela CPFL, patrocinadora máster - já sabíamos que as unidades do interior paulista seriam fechadas...
Luiz Fernando Levy, acovardado, já batera em retirada, entregando o comando da empresa para o inepto Sergio Thompson Flores... Meu amigo Cláudio Lachini é que esteve em Jaguariúna e deve ter percebido todo o meu desencanto...
Lembrava-me dos meus tempos de Agência Estado... Monitorávamos a Gazeta Mercantil por saber que ela, com seus conteúdos especializados, seria um concorrente respeitável se entrasse na difusão de informações pela via eletrônica...
Olhávamos com desconfiança para o barulho provocado pela implantação do plano estratégico de Levy em ritmo acelerado... Sabíamos que a Gazeta era uma empresa em crise... Há tempos não recolhia o FGTS de seus funcionários e não honrava nenhum dos contratos que assinara com as instituições que a socorrera... De onde será que vem o dinheiro pra tanta expansão? – nos perguntávamos.
Até que um dia dois diretores da AE – Sandro Vaia e Eloi Gertel – conseguiram marcar um almoço com um consultor empresarial que – sabíamos – conhecia a fundo as movimentações da Gazeta... limitou-se a contar aos perplexos Sandro e Eloi a seguinte anedota:
- Sentado ao lado de um papagaio, um executivo fazia um voo internacional de longa distância...depois de iniciado o serviço de bordo, ambos fizeram pedidos à aeromoça, que passava pra lá e pra cá sem atendê-los... Em menos de dois minutos de espera, o papagaio já a destratava, xingando-a de tudo quanto é nome... Já o executivo suportou calado a espera de quase uma hora até que, enfim, ensandecido, resolveu imitar o papagaio e também xingou a moça de prostituta pra cima... deu azar, o comandante viu tudo, pegou os dois – papagaio e executivo – e atirou pela janela do avião... O executivo despencando em alta velocidade vê o papagaio, alegrinho, formoso, batendo as asinhas, aproximar-se dele pra dizer: - Pra quem não tem asa, você tem uma coragem que é um espanto!
Foi a melhor definição do Luiz Fernando Levy que já ouvi: um executivo sem asas, mas com uma coragem assombrosa!
(No próximo capítulo da série você vai ler tudo sobre o Investnews, o serviço eletrônico da Gazeta Mercantil, e a ideia extravagante de Luiz Fernando Levy de criar o Amercosul)
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