Pode ser que tenha existido outro
homem que conhecesse o Brasil tanto quanto ele; mais que ele, nem o presidente
da República!
Por várias vezes, ministros do governo FHC corrigiram seus dados, de obras, de investimento, de trabalhadores envolvidos, pelo levantamento realizado por Luiz Fernando Levy, falecido em Florianópolis neste outubro de 2017, controlador daquele que chegou a ser o maior jornal de economia e negócios da América Latina, a Gazeta Mercantil...
Era o fim dos anos 1990 e o Brasil fervia, com a inflação controlada pelo Plano Real (1994) e sob a batuta do governo de FHC (1995 a 2003)! Parecia não haver uma só fábrica, uma só empresa, que não estivesse em ritmo de expansão.
Pela unidade de Campinas, no interior de São Paulo, lançávamos mais um jornal regional, o Planalto Paulista... sua primeira edição, de quase 60 páginas, trazia um levantamento pormenorizado da explosão de novas unidades industriais que chegavam de toda parte, do Brasil e do mundo...
Num procedimento transformado em rotina, um corretor imobiliário de Campinas foi ao aeroporto de Viracopos apanhar um investidor francês para ver terrenos para implantação de uma indústria de grande porte... O cliente desembarcou do avião com o celular no ouvido, viu um terreno, viu dois, viu três sem tirar o celular do ouvido... irritado, o corretor arrancou-lhe o aparelho das mãos e o atirou nas pistas da rodovia dos Bandeirantes... Quase provocou um incidente diplomático!
LEVY NADOU NESSA ONDA
Luiz Fernando Levy nadou de braçadas nessa onda de prosperidade fazendo as duas coisas que mais gostava: viajar e comer bem (era um gourmet e tanto!). Incansável! Tinha grande sintonia com os empresários que o convidavam para conhecer projetos, obras de expansão, obras de infraestrutura...
Viajava, conhecia detalhes de obras e depositava tudo num banco de dados que engordava bastante a cada mês, a cada semestre... Os dados serviam para preencher o mapa que ele usava em suas palestras. Suas palestras eram – digamos – altamente motivacionais: falavam de um Brasil muito pouco conhecido, o Brasil da prosperidade, o Brasil que conseguira, finalmente, manter a inflação em um dígito, o Brasil que demonstrava ter acordado da histórica letargia!
Roberto Baraldi, meu contemporâneo na diretoria de unidade regional da Gazeta Mercantil (enquanto eu cuidava do interior paulista ele cuidava de Minas Gerais, depois de passar vários anos no comando da redação da Gazeta Latino-Americana) costuma dizer que LuIz Fernando Levy era um visionário que sentia que o Brasil tinha potencial para crescer aceleradamente, multiplicando a renda per capita e ganhando um novo papel estratégico no cenário mundial...
“Ele – continua Baraldi – queria ver este Brasil de perto, de dentro, e queria que os jornalistas que o acompanhavam em seu projeto fossem juntos”.
“Promovia – persistiu Baraldi – regularmente rodízios de jornalistas residentes entre as várias regiões do Brasil de modo que um profissional da redação tivesse contato com muitas realidades brasileiras, desenvolvendo uma visão nacional ampliada e mais elaborada. Além disto, Levy organizava reuniões regionais de toda a diretoria e comando da redação nos mais distintos pontos do Brasil, das Missões, no Rio Grande do Sul, ao Cariri, no Semiárido; da Amazônia a Ouro Preto, para difundir o que chamava de Novo Brasil, um país potencialmente rico e mais justo que estava em gestação. Seus argumentos eram concretos”.
Baraldi continuou: “Ele organizava inventários bem fundamentados de investimentos em curso por todo o país. Muito antes da era Lula e do PAC, ele já listava todas as obras em planejamento e execução e antevia que este esforço de desenvolvimento da infraestrutura teria o poder de mudar a cara do Brasil, fazendo uma revolução logística e uma descentralização do crescimento econômico”.
Eu convivi com Levy, antes da crise, menos tempo do que Roberto Baraldi... Ainda assim, foi possível enxergar muita coerência no plano que ele concebia para seu jornal...o problema, como já disse em artigos anteriores, foi a prática deletéria que uniu grande irresponsabilidade à falta de caráter...
Numa das viagens que a empresa organizava, por exigência de seu controlador, a lugares incomuns, há um episódio que ilustra bem o jeito nada correto de Levy tocar o projeto de expansão do jornal. As lideranças da Gazeta – diretores, comando das redações e redatores, cerca de 80 pessoas – estavam hospedadas no Hotel Nacional, em Manaus. Era noite. No anfiteatro do hotel, havíamos assistido a um concerto da Orquestra Filarmônica de Manaus, regida pelo fabuloso Júlio Medaglia...
Logo após o jantar, fomos convidados a sair para o espaço que circundava a piscina, a céu aberto... era para presenciar a uma queima de fogos de artifício em homenagem à Gazeta Mercantil...
Num prenúncio da grande crise, o 13º de todos ali já acumulava dois meses de atraso... durante o foguetório, o irônico Philip Balbi, diretor da Publicidade Legal, apontava o dedo para o alto e gritava: “Seu décimo terceiro acaba de explodir, puuuum!” E repetiu isso várias vezes...
Os maus presságios me fizeram dormir inquieto aquela noite, embora já soubesse que no dia seguinte navegaríamos pelos rios amazônicos e conheceríamos o exótico hotel Ariaú, com direito a pernoite...Aquela e várias outras viagens foram das poucas coisas boas que a Gazeta Mercantil me proporcionou...
AVENTURAS EXTERNAS
Roberto Baraldi e Bia Toledo ocuparam cargos de comando no projeto da Gazeta Latino-Americana, outra proposta extremante ousada de Levy, que naufragou pouco antes do jornal-mãe... Ambos me escreveram contando fragmentos da experiência:
Roberto Baraldi:
“A visão de mundo de Luiz Fernando Levy era muito afinada com a de Fernando Henrique Cardoso e ambos imaginavam que o Brasil poderia ter mais e melhor inserção na América Latina. Ambos impulsionaram o Mercosul, inspirando-se no exemplo de integração europeia.
O Novo Brasil sonhado por Levy seria o eixo estruturante do novo bloco econômico. Levy queria criar o jornal que ajudasse a integração.
Em 1996, concebeu a Gazeta Mercantil Latino-Americana, semanário bilíngue que tinha duas sedes: em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, onde ocupava um andar do Teleporto.
O jornal fez acordos editoriais na Argentina, Paraguai e Uruguai, e circulava semanalmente em espanhol nestes países. Ele corria a região pregando pressa na formação do bloco. Imaginava que já àquela altura estávamos maduros para a adoção de uma moeda única.
Mas Luiz Fernando Levy achava que o Mercosul era pouco. Ele imaginava um bloco maior, que tomasse toda a América do Sul. Deu-lhe até um nome: Amercosul.
E abrimos conversações com parceiros e jornais do Chile, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia. Em sua visão, este bloco tinha que se relacionar ativamente com os Estados Unidos, principalmente a partir da porta de entrada representada por Miami/Flórida, e com a União Europeia, a partir de Portugal e Espanha.
Fizemos acordos editoriais e a Gazeta Mercantil Latino-Americana passou a circular em Portugal e em Miami, em associação com importantes jornais locais.
Ocorre, porém, que o Novo Brasil era uma visão que não tomou corpo. Muitas obras vitais não foram executadas ou concluídas. Muito esforço de planejamento emperrou em baixa capacidade de gestão.
O país rico e eficiente ainda não se levantou do berço como se esperava. O Mercosul e a federação sul-americana também não amadureceram como poderiam. Nosso lugar no cenário mundial continua a ser tímido.
Mas Luiz Fernando achava que o encontro do Brasil com seu destino glorioso era uma questão de tempo. Ele vinha trabalhando para trazer a Gazeta Mercantil à luz novamente, apostando que ainda havia espaço para o que o jornal representava em termos de visão de desenvolvimento e valorização da informação como ferramenta estratégica.
Se o conheci bem, buscou formas de colocar o sonho em pé até o último segundo de consciência de sua vida".
Por várias vezes, ministros do governo FHC corrigiram seus dados, de obras, de investimento, de trabalhadores envolvidos, pelo levantamento realizado por Luiz Fernando Levy, falecido em Florianópolis neste outubro de 2017, controlador daquele que chegou a ser o maior jornal de economia e negócios da América Latina, a Gazeta Mercantil...
Era o fim dos anos 1990 e o Brasil fervia, com a inflação controlada pelo Plano Real (1994) e sob a batuta do governo de FHC (1995 a 2003)! Parecia não haver uma só fábrica, uma só empresa, que não estivesse em ritmo de expansão.
Pela unidade de Campinas, no interior de São Paulo, lançávamos mais um jornal regional, o Planalto Paulista... sua primeira edição, de quase 60 páginas, trazia um levantamento pormenorizado da explosão de novas unidades industriais que chegavam de toda parte, do Brasil e do mundo...
Num procedimento transformado em rotina, um corretor imobiliário de Campinas foi ao aeroporto de Viracopos apanhar um investidor francês para ver terrenos para implantação de uma indústria de grande porte... O cliente desembarcou do avião com o celular no ouvido, viu um terreno, viu dois, viu três sem tirar o celular do ouvido... irritado, o corretor arrancou-lhe o aparelho das mãos e o atirou nas pistas da rodovia dos Bandeirantes... Quase provocou um incidente diplomático!
LEVY NADOU NESSA ONDA
Luiz Fernando Levy nadou de braçadas nessa onda de prosperidade fazendo as duas coisas que mais gostava: viajar e comer bem (era um gourmet e tanto!). Incansável! Tinha grande sintonia com os empresários que o convidavam para conhecer projetos, obras de expansão, obras de infraestrutura...
Viajava, conhecia detalhes de obras e depositava tudo num banco de dados que engordava bastante a cada mês, a cada semestre... Os dados serviam para preencher o mapa que ele usava em suas palestras. Suas palestras eram – digamos – altamente motivacionais: falavam de um Brasil muito pouco conhecido, o Brasil da prosperidade, o Brasil que conseguira, finalmente, manter a inflação em um dígito, o Brasil que demonstrava ter acordado da histórica letargia!
Roberto Baraldi, meu contemporâneo na diretoria de unidade regional da Gazeta Mercantil (enquanto eu cuidava do interior paulista ele cuidava de Minas Gerais, depois de passar vários anos no comando da redação da Gazeta Latino-Americana) costuma dizer que LuIz Fernando Levy era um visionário que sentia que o Brasil tinha potencial para crescer aceleradamente, multiplicando a renda per capita e ganhando um novo papel estratégico no cenário mundial...
“Ele – continua Baraldi – queria ver este Brasil de perto, de dentro, e queria que os jornalistas que o acompanhavam em seu projeto fossem juntos”.
“Promovia – persistiu Baraldi – regularmente rodízios de jornalistas residentes entre as várias regiões do Brasil de modo que um profissional da redação tivesse contato com muitas realidades brasileiras, desenvolvendo uma visão nacional ampliada e mais elaborada. Além disto, Levy organizava reuniões regionais de toda a diretoria e comando da redação nos mais distintos pontos do Brasil, das Missões, no Rio Grande do Sul, ao Cariri, no Semiárido; da Amazônia a Ouro Preto, para difundir o que chamava de Novo Brasil, um país potencialmente rico e mais justo que estava em gestação. Seus argumentos eram concretos”.
Baraldi continuou: “Ele organizava inventários bem fundamentados de investimentos em curso por todo o país. Muito antes da era Lula e do PAC, ele já listava todas as obras em planejamento e execução e antevia que este esforço de desenvolvimento da infraestrutura teria o poder de mudar a cara do Brasil, fazendo uma revolução logística e uma descentralização do crescimento econômico”.
Eu convivi com Levy, antes da crise, menos tempo do que Roberto Baraldi... Ainda assim, foi possível enxergar muita coerência no plano que ele concebia para seu jornal...o problema, como já disse em artigos anteriores, foi a prática deletéria que uniu grande irresponsabilidade à falta de caráter...
Numa das viagens que a empresa organizava, por exigência de seu controlador, a lugares incomuns, há um episódio que ilustra bem o jeito nada correto de Levy tocar o projeto de expansão do jornal. As lideranças da Gazeta – diretores, comando das redações e redatores, cerca de 80 pessoas – estavam hospedadas no Hotel Nacional, em Manaus. Era noite. No anfiteatro do hotel, havíamos assistido a um concerto da Orquestra Filarmônica de Manaus, regida pelo fabuloso Júlio Medaglia...
Logo após o jantar, fomos convidados a sair para o espaço que circundava a piscina, a céu aberto... era para presenciar a uma queima de fogos de artifício em homenagem à Gazeta Mercantil...
Num prenúncio da grande crise, o 13º de todos ali já acumulava dois meses de atraso... durante o foguetório, o irônico Philip Balbi, diretor da Publicidade Legal, apontava o dedo para o alto e gritava: “Seu décimo terceiro acaba de explodir, puuuum!” E repetiu isso várias vezes...
Os maus presságios me fizeram dormir inquieto aquela noite, embora já soubesse que no dia seguinte navegaríamos pelos rios amazônicos e conheceríamos o exótico hotel Ariaú, com direito a pernoite...Aquela e várias outras viagens foram das poucas coisas boas que a Gazeta Mercantil me proporcionou...
AVENTURAS EXTERNAS
Roberto Baraldi e Bia Toledo ocuparam cargos de comando no projeto da Gazeta Latino-Americana, outra proposta extremante ousada de Levy, que naufragou pouco antes do jornal-mãe... Ambos me escreveram contando fragmentos da experiência:
Roberto Baraldi:
“A visão de mundo de Luiz Fernando Levy era muito afinada com a de Fernando Henrique Cardoso e ambos imaginavam que o Brasil poderia ter mais e melhor inserção na América Latina. Ambos impulsionaram o Mercosul, inspirando-se no exemplo de integração europeia.
O Novo Brasil sonhado por Levy seria o eixo estruturante do novo bloco econômico. Levy queria criar o jornal que ajudasse a integração.
Em 1996, concebeu a Gazeta Mercantil Latino-Americana, semanário bilíngue que tinha duas sedes: em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, onde ocupava um andar do Teleporto.
O jornal fez acordos editoriais na Argentina, Paraguai e Uruguai, e circulava semanalmente em espanhol nestes países. Ele corria a região pregando pressa na formação do bloco. Imaginava que já àquela altura estávamos maduros para a adoção de uma moeda única.
Mas Luiz Fernando Levy achava que o Mercosul era pouco. Ele imaginava um bloco maior, que tomasse toda a América do Sul. Deu-lhe até um nome: Amercosul.
E abrimos conversações com parceiros e jornais do Chile, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia. Em sua visão, este bloco tinha que se relacionar ativamente com os Estados Unidos, principalmente a partir da porta de entrada representada por Miami/Flórida, e com a União Europeia, a partir de Portugal e Espanha.
Fizemos acordos editoriais e a Gazeta Mercantil Latino-Americana passou a circular em Portugal e em Miami, em associação com importantes jornais locais.
Ocorre, porém, que o Novo Brasil era uma visão que não tomou corpo. Muitas obras vitais não foram executadas ou concluídas. Muito esforço de planejamento emperrou em baixa capacidade de gestão.
O país rico e eficiente ainda não se levantou do berço como se esperava. O Mercosul e a federação sul-americana também não amadureceram como poderiam. Nosso lugar no cenário mundial continua a ser tímido.
Mas Luiz Fernando achava que o encontro do Brasil com seu destino glorioso era uma questão de tempo. Ele vinha trabalhando para trazer a Gazeta Mercantil à luz novamente, apostando que ainda havia espaço para o que o jornal representava em termos de visão de desenvolvimento e valorização da informação como ferramenta estratégica.
Se o conheci bem, buscou formas de colocar o sonho em pé até o último segundo de consciência de sua vida".
Bia Toledo:
"Luiz Fernando Levy sonhava em ter a sua Gazeta Mercantil fortíssima até na Península Ibérica... Chegou a nomear um diretor por lá, o Rodrigo Mesquita... A dívida da Gazeta fora do Brasil também cresceu assustadoramente... ficou devendo tanto na Argentina que a previdência social desse país estava atrás dele.
Ele havia criado um Fórum de Líderes Empresariais da América Latina, emulando os fóruns brasileiros... Participei de vários eventos dos líderes do Mercosul.
No Uruguai, a abertura do Fórum foi feita pelo Júlio Sanguinetti, na época presidente do pais. No Paraguai, a mesma coisa. Na abertura do Fórum da Argentina, estavam também presentes os maiores empresários do Brasil e da Argentina.
Editamos várias revistas de sucesso, emulando também as publicações brasileiras. A primeira “1.000 Maiores Empresas Latino-Americanas” foi um tremendo sucesso comercial; faturou já na primeira edição quase a mesma coisa da tradicional Balanço Anual, editada no Brasil....
Uma pena que tudo tenha naufragado!"
(No próximo e
último artigo da série sobre Luiz Fernando Levy, falarei do eterno voo da
galinha do Inwestnews, da gestão excrescente de Nelson Tanure e do lamurioso
fim dos Fóruns empresariais da Gazeta Mercantil)
Luiz Fernando Levy
Roberto Baraldi
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