Há pouco mais
de 20 anos, saímos do tempo diferido e entramos de cabeça no tempo real; agora,
somos forçados a esquecer o analógico e entrar de sola no digital. E o
jornalismo ganha configurações jamais imaginadas!
Tive o privilégio
de pertencer à equipe que, sob a batuta de Rodrigo Mesquita, implantou o tempo
real (realtime) no Brasil; tudo ocorreu nos anos 1990 através do projeto da
Agência Estado – empresa do Grupo do Jornal O Estado de São Paulo – que saía da
condição de agência de notícias para se transformar em agência de informações
(enquanto a primeira abastecia de notícias os jornais de todo o país, a segunda
começava a abastecer os mercados com informações para orientar o trabalho das
mesas financeiras).
A troca de
cultura que se irradiou a partir do projeto da Nova AE – como a Agência Estado
era chamada por suas inovações – foi uma verdadeira epopeia: o jornalismo de
então estava baseado num regime secular – captar uma informação, redigi-la, editá-la
e publicá-la dentro de um prazo de 24 horas ou, quando menos, contemplando os
interesses da TV, de oito a dez horas!
O tempo real
quebrava esse ciclo na espinha forçando a divulgação instantânea das
notícias... o marketing das grandes agências de informações mundiais (Reuters,
Knight-Rider, Dow Johnes, Nikkei), para
conquista de novos assinantes nas mesas financeiras, baseava-se na velocidade
com que as notícias importantes eram divulgadas... sair na frente em quatro ou
cinco segundos fazia grande diferença!
Planejado pela
Nova AE, o treinamento de jornalistas do Grupo Estado para assimilar a nova
cultura foi uma guerra! Envolveu os melhores consultores nacionais e
internacionais especializados na preparação das pessoas para receber uma novidade
que iria mexer com vigor em hábitos sedimentados, práticas mais do que
centenárias, formas consolidadas de apurar, escrever e divulgar uma informação!
E o tempo real revolvia tudo, forçava mudanças vigorosas no jeito de produzir e
fazer, uma nova cultura!
Em poucos
meses, começávamos a colher os primeiros resultados... lembro-me do dia em que
um dos repórteres do Grupo Estado assustou o CEO de uma grande corporação do
Rio de Janeiro; durante entrevista
coletiva, ele fora informado por assessores que as informações que acabara de
transmitir já repercutiam no mercado, divulgadas por celular pelo repórter que
pioneiramente se engajara na cultura do realtime...
Não é fácil
remover uma cultura sedimentada e substituí-la por outra nova... o novo tem de
ser robusto para se impor... enfrentará resistência, reações em cadeia,
intolerância, reprovação!
O AE News – o
serviço informativo da Agência Estado em tempo real – entrou com tamanha força
no mercado brasileiro que em menos de um ano de sua implantação foi capaz de alavancar
a empresa, transformando-a em “case de sucesso” e líder absoluta do setor de
divulgação de informações para mercados na América Latina...
“Isso vai
virar uma coqueluche”, reagiu com acerto o então presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, ao ser apresentado a um terminal da Nova AE... E o
AE News nascia junto com um novo jornalista, bem mais veloz na divulgação de
seus escritos, bem mais consciente de suas responsabilidades frente à
informação por saber que agora, ao invés de escrever para o público em geral,
uma entidade quase abstrata, passava a escrever para mercados e para um tipo de
usuário que iria ganhar dinheiro com sua informação...
NOVA MUDANÇA É MUITO MAIS ASSUSTADORA
Esses pouco
mais de 20 anos que separam a introdução do realtime dos dias atuais com certeza não foram
suficientes para preparar o jornalista para a mudança em curso – da passagem do
jornalismo analógico para o jornalismo digital... Esta sim é uma verdadeira
mudança, avassaladora!
O mais
assustador nestas transformações é saber que a mudança está em curso e não se
vislumbra um prazo para que ela se apresente por inteiro, com começo, meio e
fim! O terreno onde o jornalista atua hoje é movediço, traiçoeiro, fluido! Nada
do que é hoje pode ser também amanhã!
Mas vamos
pensar um pouco: afinal, o que essencialmente mudou? O jornalista por acaso não
é mais aquele profissional que capta uma informação, destila e a divulga? A
resposta pode ser sim e ao mesmo tempo ser não!
Ah, quer dizer
que o jornalista também não é mais aquele que tem e cultiva fontes exclusivas?
A resposta também pode ser sim e não!
Afinal que
diabo faz o jornalista nessa nova atmosfera na qual a internet introduziu as
redes sociais, a interatividade, a possibilidade de transmissão de qualquer tipo
de arquivo – leve, pesado, com documentos, sem documentos, com imagens
estáticas, com imagens em movimento – e a possibilidade de acompanhar e captar,
importar, compartilhar informações do mundo inteiro, em tempo diferido e em
tempo real?
Boa pergunta,
mas sinto dizer que não sei respondê-la e acho improvável que exista no mundo
alguém que tenha uma resposta plausível! O que vejo é o pipocar de zilhões de
experimentos em toda parte, o que, diga-se de passagem, é algo extraordinário!
No meio dessa
tsunami de inovações e experimentos, o que eu faço? Experimento também, tateio,
avanço, recuo, ouso não ouso, observo, sobretudo observo!
A
inflexibilidade soberana no analógico tem de dar lugar a uma condescendência
responsável no digital, pois neste o mundo se abriu para a colaboração, para a
provocação, para a análise, para o humor, para o desabafo! Basta dizer que
somos, os jornalistas, produtores, divulgadores editores ou mesmo compartilhadores
de informações!
Nesses avanços
e recuos proporcionados pelo que eu chamo de “nova atmosfera” temos grandes
perdas e grandes ganhos; quando a internet liquida com os meios impressos e
agora já ameaça acabar também com a TV aberta, perdemos!
Quando a
internet nos oferece mil canais de divulgação para as coisas que produzimos,
ganhamos! Quando a internet nos permite acesso a informações qualificadas dos
mais diferentes sites e blogs, também ganhamos – e muito! A certeza que aflora é que tudo vai piorar muito antes de voltar a melhorar !
A internet,
como eu já disse, é a grande maravilha do século XXI !
Ainda hoje
pela manhã ao ligar a TV e ser informado que o Reino Unido ainda não saiu da
União Europeia, indignado, postei: “Vou dar prazo de uma semana... e se até lá o
Reino Unido não tiver saído da União Europeia, vou lá e tiro no tapa!”
Ganhei de
leitores brasileiros inúmeros kkkkkkkkk e de minha sobrinha, a jornalista
Fabiana Pio, que mora em Londres, uma frase enigmática: “Não faça isso, deixe
assim !”
Rodrigo Mesquita liderou a introdução do Tempo Real no Brasil.
Fernando Henrique Cardoso previu o sucesso da Agência Estado
A AE, Dirceu Pio, começou a trabalhar com a rede em 92, na véspera da ECO 92. Era ainda a APARNET. O seu artigo é sobre o início do desafio de criar uma nova cultura de envolvimento com os fluxos de informação.
ResponderExcluirOs fluxos se tornam mais complexos e fluidos conforme a sociedade humana evolui na conquista do espaço em que está inserida, que sempre foi analógico e "digital", este antes restrito às ondas de ideias, do imaginário, dos sonhos.
Neste link http://bit.ly/2tK6G8u, a íntegra do comentário
Penso aqui no meu canto que este seu artigo deveria ser transformado em palestra, palestra a ser usada paras montar a AE da modernidade, uma junção de muitas redes de tamanho igual ou maior do número de assinantes mídia da AE...esse pessoal todo está por aí, abatido, perdido como cachorro que cai do caminhão da mudançsa...e você seria o profissional mais indicado para trazê-los de volta à órbita do Estradão...
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