20/03/2015

Lembranças da Ilha Pavão, magnífica!

        Desta vez, levei minha mulher, Susana, e meu filho, Eli, então com três anos de idade. O fotógrafo era um até hoje grande companheiro, Américo Vermelho. Foi uma viagem sugerida e aprovada pelo Suplemento de Turismo do Estadão.
        Sete Quedas estava para ser afogada pelo Lago de Itaipu e nós, da Sucursal de Curitiba, nos desdobrávamos para mostrar aos leitores do jornal todo o impacto da tragédia. Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo, estava em construção acelerada e seria a grande obra do regime militar instaurado no país alguns anos antes, mais exatamente no mês de março de 1964, na verdade, dia primeiro de abril daquele ano, mas temendo que os brasileiros associassem a “revolução” com o “dia da mentira”, as comemorações ao golpe foram antecipadas para março.
        Havíamos feito amizade com um historiador da cidade  que nos disse para não deixar de conhecer a Ilha Pavão, um lugar encantador, nos dizia, com acerto. Era bem mais de meio-dia quando saímos de Guaíra, de barco, subindo o Paranazão. Nosso destino ficava a mais de uma hora do portinho de Guaíra navegando contra a correnteza. Demos uma parada a mais de quarenta quilômetros acima para visitar, rapidamente, uma das ruínas jesuíticas de uma redução erguida ali e que teve de ser abandonada com a chegada dos Bandeirantes. O nome “ruína” se aplica ao que enxergamos – ali não foi deixada muita coisa, a não ser vestígios do que há muitas décadas foi um local com igreja, escola e tudo mais que os índios construíram.
        Mais meia hora de barco rio acima e chegamos à llha Pavão. A ilha se apresenta aos visitantes logo no desembarque, quando avistamos árvores imensas nascidas naquele pedacinho de terra em meio àquele marzão de água. Surpresa ainda maior veio ao percebermos que era possível caminhar por aquele pequeno pedaço de mata atlântica sobre uma areia branca, especial. Tudo lembrava um recanto paradisíaco repleto de encantos para onde olhávamos.
        Até hoje não sei que fim levou a Ilha Pavão, me diziam que ela se localizava alguns quilômetros acima da extremidade do lago de Itaipu. Sei que tenho gratas lembranças de tudo que vi e curti por lá.
        Encontramos morando na ilha, como zeladora do patrimônio ali instalado, uma senhora com uma penca de filhos que havia sido abandonada pelo marido. Uma de suas filhas, uma garotinha de dez anos, encantou-se pelo Eli, que já andava solto e feliz pela Ilha como um serelepe. Gostei da aplicação da menina e disse:
        - Olha Rose, se sua mãe permitir vamos levá-la para Curitiba para olhar o Eli...
        E foi só. Na hora de viajar de volta, antes de embarcarmos, lá estava Rose com sua malinha pronta e disposta a me fazer cumprir o prometido. Rose morou conosco mais de dois anos e talvez por problema de comunicação tivemos de levá-la de volta. Foi embora com um grande patrimônio que deve ter feito a diferença em sua vida: foi alfabetizada – e muito bem – com direito a muitas aulas de reforço proferidas por minha mulher, Susana, que passava então por sua segunda gravidez. (Confesso que temos muitas saudades de Rose e se algum de meus leitores tiver notícias dela, por favor me passe. Ela foi deixada de volta numa residência de Guaíra, na casa de uma tia.)
        Fomos ficando, ficando na ilha sem nenhuma vontade de ir embora, perambulamos por lá, tomando uma deliciosa pinguinha servida pela mãe da Rose, cujo nome nem eu e nem minha mulher conseguimos lembrar. A surpresa foi vermos um pirangueiro limpando três filhotes de sucuri, de mais de três metros cada um num recanto da ilha, com um baixio onde se podia molhar os pés numa beiradinha de rio. Havia pegado as cobras a 15 minutos de barco abaixo da ilha.
        Eu pedi à mãe da Rose se ela podia preparar uma jantinha básica para nós e diante da resposta afirmativa nos abancamos da Ilha Pavão. A prefeitura de Guaíra, estranhando nossa demora, mandou outro pirangueiro atrás dos jornalistas. Este nos encontrou lá jantando um belo frango caipira, tomando uma cervejinha, felizes da vida e sem nenhuma vontade de voltar. Servimos frango para o segundo barqueiro e ele com a cara de quem havia cumprido sua missão foi ficando também, feliz como todos seus passageiros.
        O retorno foi emocionante; os dois piloteiros saíram bem dispostos e resolveram apostar uma corrida à noite em grande velocidade. Ambos conheciam aquele trecho do rio como a palma da mão. Desviaram de pedras, de troncos. Chegamos a Guaíra em tempo recorde e com a sensação de termos feito uma viagem segura, emocionante, mas segura. Fomos para o hotel e eu já havia escolhido a pauta da próxima viagem que iria fazer a Guaíra: traçar um bom perfil daquele personagem condenado a desaparecer junto com Sete Quedas – o pirangueiro.
        Ainda não contei a visita que fizemos ao cânion abaixo das Quedas, não percam o próximo capítulo...


(Desenho apenas ilustrativo)

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