04/12/2014

Argentino, meu barbeiro nestes tempos de cadeirante

        Quando minha barba fica grande já começo a esperar pela visita dele, meu amigo Argentino. Ele vem geralmente de Louveira, traz pão e mortadela para tomarmos o lanche da tarde, faz minha barba, conversamos por uma ou duas horas e ele se vai, à noitezinha. Sai na hora de fazer a ronda pelas canchas de bocha de Louveira, Vinhedo ou Valinhos, onde os amigos o esperam. Ainda não posso, mas logo mais, já combinamos, ele vai me levar para esses passeios que eu fazia, invariavelmente, todas as noites. Preciso talvez de mais uma temporada de Lucy Montoro para ficar em condições de acompanhar meu amigo pela ronda bochófila, sem causar-lhe grande desconforto.
        Argentino tem uns dois anos a mais que eu, mas é forte como um touro. É, entre nós, o único jogador com cacife para encarar um adversário no “ponto-e-bota”, modalidade que exige arremesso pelo alto, descartando a bola adversária ao cair em cima dela. Na época das canchas de terra-socada era possível, no ponto e bota, trocar a bola adversária pela sua numa só pancada pelo alto. Hoje, os pisos das canchas são de material sintético, liso, de modo que a bola de quem arremessa não para mais no lugar. Essa cancha da Fazenda Barreiros, nas cercanias de Louveira, é das poucas a sobreviver com piso de saibro, isto porque Rodrigo Mesquita, jogador fanático da família, até agora resistiu à modernização.
        Argentino é uma “figura”, como dizemos na bocha. É um pouquinho gago e por isso sofre bullying nas canchas, mas ele não liga; quando é exagerado, manda todos à PQP e vai embora, procurar paz em outro canto, geralmente em outra cancha; se não está muito tarde, convida alguém e sai para comer uma pizza. Eu mesmo fiz companhia para ele muitas vezes.
        Uma vez, convidei-o e a outro amigo de bocha - Zé Carlos - para viajarmos durante um carnaval para Imbituba, Santa Catarina, onde na época eu tinha uma casa. Os dois toparam e lá fomos nós, de carro, levando com a gente um “fio-terra” – meu filho caçula, Ives, que não bebe e não fuma. Foi muito divertido, uma viagem do tipo inesquecível, especialmente para Zé Carlos que nunca se distanciara tanto de São Paulo. Argentino já era mais viajado, já havia ido até para Orlando, de avião, é claro.
        Minha casa ficava num vilarejo - Barra da Ibiraquera - em Imbituba, bem ao sul de Santa Catarina. Um lugar paradisíaco, onde montamos nosso quartel-general, de onda saíamos todos os dias para... ? Jogar bocha. Eu me fazia acompanhar de dois dos melhores jogadores da região de Campinas e era preciso aproveitar a supremacia e descer o pau nos catarinas. Na intenção, foi uma beleza. Na prática, nem tanto....
        Era sábado, estávamos voltando de um passeio a Vargem do Cedro quando notamos, já dentro de Imaruí, a meio caminho entre Ibiraquera e Vargem do Cedro, uma cancha de bocha bem à beira da rua; parei o carro, descemos sob o comando de um repto que eu mesmo lançara: “Vamos descer e dar uma surra bem dada nesses catarinas!” Não foi difícil arranjar adversário. Pareceu que quatro deles estavam à nossa espera. Quatro contra quatro, apostamos quatro cervejas por partida. Não posso dizer pelos meus parceiros, mas eu sofri ali a derrota mais acachapante da minha longa vida de jogador de bocha. Foi humilhante para nós quatro! E o pior: um de nossos adversários, um homem baixo, atarracado, com cheiro de peixe, nos levou até o portão de saída aos gritos de “querem mais? querem mais?”. Não, não quisemos mais. O desejo de todos era voltar para casa, já bêbados de tanta cerveja, envergonhados.


(Argentino na Cancha de Bocha)

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