19/08/2014

Outro mundo dentro da Unicamp


Sabia que o doutor Otávio Rizzi Filho, o primeiro cardiologista a me atender na Unicamp, havia pedido exame específico do coração, um ecocardiograma. Perguntei as razões e ele respondeu, objetivamente, “precisamos conhecer os estragos que tanto tempo de cigarro e pressão alta produziu no seu coração”. Eu já estava me habituando às más notícias: já havia feito o cateterismo que detectara obstruções em três coronárias - uma principal, já totalmente entupida e duas laterais com 80% de oclusão – e já me preparava para cirurgia. Só me falta agora descobrir que o coração também foi detonado pelo cigarro, pensava.
Já era tarde quando um enfermeiro que eu nunca tinha visto entra no meu quarto e pergunta pelo meu nome. Vou levá-lo para um exame do coração em tal andar, disse-me ajudando-me a deitar numa maca de um modo bem gentil e simpático. E lá foi ele conduzindo a maca, nós dois em silêncio, subindo e descendo elevadores, atravessando de labirinto, em labirinto, em labirinto, como diz Caetano numa das suas canções. De repente vira à esquerda e entra numa sala com enfermeiras e pacientes. Era uma sala pequena para a imensidão daquele prédio. Minha primeira sensação foi de claustrofobia. A sala dava impressão de ficar no centro daquele prédio imenso, cercada de corredores por todos os lados. O enfermeiro deixa a maca e se retira. Chegamos, pensei.
Uma enfermeira conduz a maca alguns metros à frente e me deixa em meio a outros pacientes. Foram gestos mecânicos, em silêncio. Comecei a notar que enfermeiros, enfermeiras, médicos passavam por mim, me viam, mas era como se eu fosse invisível, ninguém me cumprimentava, me dirigia a palavra ou me dava sequer um “oi”. Achei estranho porque considerava o corpo de enfermagem da Unicamp, até então, muito caloroso e simpático. Esperei uma meia hora ali naquele pequeno corredor até me levarem, com indiferença, para uma saleta próxima onde me puseram deitado numa pequena cama. Estava confortável, apesar de a sensação claustrofóbica haver aumentado.
Logo entra um primeiro médico, que, sem dizer palavras, começa a passar-me no peito o sensor do aparelho de ecocardiograma. Pede para me virar de um lado e de outro e ao terminar suas averiguações deixou a sala depois de me avisar: “O senhor agora vai precisar esperar a vinda de um outro médico para conferir”. “E meu coração, como está?", doutor. A pergunta estava entalada na garganta e eu não podia deixar de fazê-la antes que saísse. A resposta foi a primeira boa notícia que eu receberia naqueles dias de muita angústia: “Seu coração está ótimo!”
Algo surpreendente e esclarecedor ocorreria logo a seguir, enquanto eu digeria aquela ótima notícia naquele lugar que mais parecia um abrigo antiaéreo; assim que o médico saiu me vem uma vontade insuportável de fazer xixi. Fui levado até então a pensar no pior, ninguém vai-me ajudar neste labirinto. Passou uma enfermeira em frente à saleta e eu gritei, meio no desespero: - Enfermeira! – O inesperado então aconteceu: ela entrou imediatamente na saleta, e já próxima da cabeceira da minha cama disse “pois não?” Foi um dos mais maravilhosos “pois não” que eu já tinha ouvido na vida. Expliquei rapidamente a situação para ela e ela se prontificou a me levar ao banheiro. Acompanhou-me, assistiu-me como uma enfermeira exemplar. Na volta, como jornalista que eu nunca deixo de ser, perguntei-lhe: -Há quanto tempo você trabalha aqui nesta sala? – A resposta esclarecia tudo, o passar diante de você como se você fosse invisível, a indiferença, a automação de gestos e movimentos:
- Estou aqui nessa mesma função há 27anos.
(Corredor de um hospital)

Um comentário:

  1. MEU QUERIDO AMIGO PIO! TENHO LIDO SUAS POSTAGENS E NOTA-SE QUE APESAR DE TUDO CONTINUA SENDO UM GRANDE JORNALISTA ! É LAMENTAVEL QUE SEJA SOBRE UMA PAGINA DIFICIL DA SUA VIDA ,MELHOR SERIA SE FOSSE SOBRE OUTRAS EXPERIENCIAS TAIS COMO PASSEIOS ,VIAGENS ETC !!! DEUS ESTÁ COM VC E VC ESTÁ NO MEU CORAÇAO! E MAIS UMA VEZ ,PERDÃO POR NAO VISITA-LO COM MAIS FREQUENCIA ,,MAS É QUE TODA VEZ QUE VOU AÍ, VOLTO MEIO PRA BAIXO, GOSTO DE CULTIVAR A IMAGEM DAQUELE PIO BRINCALHAO EXTROVERTIDO E ALEGRE !! CONFIE EM DEUS ! "ELE"SABE TODAS AS COISAS! GRANDE ABRAÇO MEU QUERIDO E IMPAGAVEL AMIGO !!!!! JOAO LEITE JUNIOR.

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