23/05/2016

Velho Chico, antiga demagogia!

        É provável que Rodrigo Santoro nem o tenha percebido, mas emprestou seu talento, nome e imagem a um dos textos mais mentirosos e demagógicos da teledramaturgia brasileira. Refiro-me à novela Velho Chico, de Benedito Ruy Barbosa, exibida pela TV de maior audiência do país (Globo) em seu horário mais nobre (21h30).
        Digo que Santoro talvez nem tenha percebido porque sua atuação (sempre brilhante) foi na fase introdutória do enredo, quando a mentira e a demagogia ainda não haviam aparecido. Nos capítulos em exibição, em que o talento de Santoro deu o lugar de protagonista ao canastrão Antônio Fagundes, surgiu o enredo que envergonha o Agronegócio Brasileiro, com todo o seu esplendor e modernidade.
        De que falamos? Simples: a trama se reparte em duas forças antagônicas, o grande proprietário rural, representado pelo Coronel Afrânio (o Saruê), e os pequenos agricultores reunidos numa cooperativa presidida pelo mocinho Santo (Domingos Montagner); o grande proprietário é demonizado e os pequenos agricultores são transformados em anjinhos, como se sua cooperativa fosse uma célula ativa do MST (Movimento dos Agricultores Sem Terra) e seu presidente, o José Rainha.
        Em palavras mais simples, Velho Chico vai passar para a história da teledramaturgia brasileira como uma contribuição ao retrocesso e ao atraso; uma mega negação de todas as conquistas do agronegócio brasileiro, onde o latifúndio produtivo já representa avanço social e sobejos exemplos de absorção das tecnologias de produção agropecuária comparáveis às melhores do mundo.
        Benedito Ruy Barbosa deveria visitar o Agrishow, a maior feira do agronegócio do mundo. O Agrishow é realizado, anualmente, em Ribeirão Preto (SP). E nele pode-se descobrir que há muito tempo o agronegócio deste País deixou para trás a era do coronelismo e que está hoje enfiado de cabeça em agricultura de precisão (custava pesquisar um pouco antes de apelar para tramas absurdas, extemporâneas e demagógicas?), em monitoramento de rebanhos por satélites, a avanços consideráveis na área de previsão meteorológica.
        A visão de país que o autor revela é pobre, ignorante e errática. Voltando à trama de Velho Chico, um neto e uma filha do “maldito” latifundiário tentam convencê-lo a mudar os métodos de produção pois suas frutas, produzidas nas faixas irrigadas das margens do rio São Francisco, são exportadas com excesso de agrotóxicos.
        Benedito Ruy Barbosa também deve desconhecer que isso é falso como uma nota de 12 dólares. Até os médios agricultores brasileiros e boa parte dos pequenos já descobriram todo o rigor do controle sanitário dos países importadores: em portos de Holanda, Japão e China, por exemplo, radares detectam tinta tóxica no casco de navios a grande distância, de modo que as embarcações irregulares nem chegam a atracar. O rigor começa por aí.
        O coronel Afrânio é acusado ainda de manter trabalho escravo em seu latifúndio. Outra mistificação da realidade: há Ongs hoje acompanhando a produção do "dentro porteira" até o embarque para o exterior; propriedades que mantêm ou mantiveram trabalho escravo são vigiadas em todo o ciclo de produção; as Ongs informam os grandes exportadores de commodities agrícolas; alguns deles, como a Cargil, não aceitam mais produtos dessas fazendas há pelo menos 20 anos.
        A chamada agricultura orgânica é apontada na trama de Velho Chico como caminho do futuro; nesse caso, seria interessante que Ruy Barbosa visitasse o município de Louveira, nas barbas de São Paulo, para conhecer o Promif, programa que a prefeitura lançou para incentivar a agricultura familiar, baseada fortemente na fruticultura (uva, caqui, goiaba, etc).
        O programa distribui uma fatia considerável dos valores de impostos urbanos a agricultores compromissados com preservação ambiental (conservação de fontes de água doce, de bosques e árvores, controle rigoroso do uso de agrotóxicos, conservação do solo, etc) e resistência às tentações de vender a propriedade que possam vir da especulação imobiliária. O Promif, que deve ser adotado em todo o Estado de São Paulo, é a clara demonstração de que existem outros caminhos preservacionistas que não seja a agricultura orgânica.
        Temos, entretanto, de nos dar por satisfeitos se Velho Chico não incentivar a invasão de propriedades e a destruição de laboratórios de pesquisas agrícolas, como já fez o MST.



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Cena da novela Velho Chico

Cena da novela Velho Chico

Agricultura nas margens do Rio São Francisco

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Desastre causado pela SAMARCO em Mariana

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