Há menos de dois anos atrás comi um sanduíche numa cantina em frente a La Bombonera, em Buenos Aires. Tive dúvidas de que conseguiria romper com os dentes o bife colocado no meio do pão. Tinha uns cinco centímetros de espessura. Pois correu tudo maravilhosamente bem. Os dentes afundavam na carne como se esta fosse de creme. Fiquei morrendo de inveja deles.
Em 1983, ano do plano Cruzado, viajei mais de dez mil quilômetros, de carro, a pedido do Jornal da Tarde, para tentar descobrir onde o boi gordo havia se escondido. Os açougues de todo o país estavam sem carne há meses. A carne no Brasil nunca foi lá essas coisas, mas ah se faltasse nos açougues! Mole ou dura sempre foi um produto essencial.
Campo Mourão, Paranavaí, ainda no Paraná, depois Campo Grande, Corumbá, nos estados do Mato Grosso, depois Araçatuba, já em território paulista, Uberaba e Uberlândia, no Triângulo Mineiro -descobri aos poucos, quilômetro a quilômetro, que o boi gordo havia desaparecido por uma razão nunca admitida pelo governo. O Plano Cruzado elevara o poder aquisitivo da população em março e o consumo de carne foi parar na estratosfera. Em palavras simples, o povo comeu no primeiro semestre daquele ano a carne que seria usada no segundo semestre para formação do estoque regulador de preços.
Era preciso, contudo, encontrar um culpado pelo “sumiço“ da carne. Os civis começavam a retomar o poder no Brasil com a mesma desfaçatez de antes. O governo Sarney desengavetou uma tal Lei Delegada e começou a prender pecuaristas - Malditos retentores de boi gordo no pasto!
Eu havia percorrido dezenas de fazendas, constatado a farsa de todo o jeito e maneira, mas a voz de um jornalista de texto não conseguia abafar a voz da televisão. O Fantástico mostrava as pastagens repletas de “bois gordos”, gravados de helicóptero, de cima para baixo, de modo que era impossível saber se estavam gordos, no ponto de abate ou não; mas era no Fantástico que as pessoas queriam acreditar.
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