26/11/2014

Não são apenas boatos!

        Os políticos convivem mal com a crítica. Volta e meia ouvem-se boatos de que eles pressionaram para desalojar este ou aquele jornalista desta ou daquela mídia para neutralizar arestas, tornando jornais, revistas, canais de TV mais dóceis. São percalços que a democracia não consegue ultrapassar. Quanto mais a mídia enfraquece, mais eles sobem nela e imaginem o que irá acontecer daqui a uns poucos anos, quando não existirem mais mídias fortes.
        Agora mesmo ecoam pelo país versões de que o partido governista conseguiu desalojar de um grande jornal paulista uma colunista da política que nunca foi muito amável com ele. Boatos, boatos, ninguém sabe a verdade, exceto os donos do jornal e a liderança partidária que exigiu a cabeça do jornalista, se é que a especulação tem procedência.
        Num passado recente, esse tipo de pressão perdeu todo tipo de sutileza e os boatos transformaram-se em evidências, como aconteceu, por exemplo, no início do mandato de Fernando Collor de Melo. Collor saíra da campanha que o elegeu presidente com sangue na boca.    Os primeiros a “dançar” foram os comandantes do jornalismo da TV Globo, Alice Maria e Armando Nogueira. Razão: ofereceram resistência a por no ar uma edição “arranjada” do debate entre Collor e Lula.
        Pelas pesquisas, superando a expectativa de Lula, que minimizou a influência do debate e não se preparou para ele como deveria se preparar, a TV começou a virar o jogo, colocando Collor em ascensão. Lula perdeu feio o debate, mas, como sempre ocorre, ficara ainda a controvérsia. Era preciso demonstrar a vitória de Collor de um modo definitivo e contundente. Foi preparada uma edição que mostrava a supremacia de Collor com todas as letras. Aí entram em cena Armando Nogueira e Alice Maria, tentando barrar a exibição. A resistência tornou-se pública. Collor ficou atrás do toco, esperou a eleição passar, venceu, tomou posse e atirou.
        Armando Nogueira foi substituído por Alberico Souza Cruz. O episódio trouxe várias lições a tiracolo e a principal delas foi para a própria Globo. Antes de assumir o mais alto posto do jornalismo da emissora líder de audiência, Alberico era um “ilustre desconhecido” no meio televisivo. O jornalista a quem ele substituiu, ao contrário, era experiente, capaz de exercer sobre o jornalismo da emissora um invejável controle de qualidade, controle que até hoje, há anos após a morte de Armando Nogueira, ainda faz muita falta à Globo.
        Foi sob o comando de Alberico que a Globo deu cobertura ao escandaloso episódio da Escola de Base, um envolvimento que tirou credibilidade da emissora e encheu de vergonha o jornalismo brasileiro. Crianças de uma pré-escola começaram a acusar professores e donos de abuso sexual. As denúncias eram respaldadas por um delegado de 5ª categoria, até que se descobriu que era tudo invenção das crianças. A escola teve de ser fechada e a imagem dos professores até hoje não se recompôs. O povo havia rifado Collor de um lado e a Globo livrou-se de Alberico quase em seguida.
        Alberico cometeu também, por exigência de Collor, uma outra atrocidade contra o jornalismo: tirou de Nova York Lucas Mendes, seu melhor correspondente no exterior. Razão: Lucas, numa entrevista à Isto É, na época comandada por Mino Carta,  chamou o candidato do então PRN, partido inventado pelo próprio Collor, de “jagunço yuppie”.
        Se os boatos de hoje em dia se confirmarem, estaremos penetrando numa época sinistra para o jornalismo e a liberdade de imprensa. De um lado teremos partidos políticos “cavalgando” as mídias, e de outro jornalistas “militantes” de um partido, os únicos a sobreviver.


(Alice Maria e Armando Nogueira)

Um comentário:

  1. Esperar dignidade de um partido comandado por Ruy Facão, Zé Dirceu, Franklin Martins, Lulla, Dillma...? Nem Maluf, hoje banqueiro do partido, chegou a tanto. Quem se mancou a tempo pulou fora.

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