A ingestão do
“soro da verdade”, pelo que já li em alguns depoimentos, não deve ser algo tão
mais pesado que a anestesia e outras drogas que lhe aplicam quando você se
submete a uma cirurgia para implantação de três pontes cardíacas seguidas de
AVC. A dosagem exata e suas implicações eu não sei e desconfio que, por falta
de curiosidade, nunca irei saber.
Só sei que voltei à “normalidade” muito lentamente e tendo pesadelos, um após o outro, alguns dos quais, imagino, jamais me abandonarão, como aquele em que a comunidade médico-científica da Unicamp me acusava de haver contaminado com urina um laboratório inteiro, do qual dependia para sobreviver uma enorme quantidade de pacientes. Eram pesadelos terríveis, traumatizantes, porque misturavam personagens que eu fisgava nos momentos de lucidez - e eram todos reais - com outros que mal acabara de conhecer no período de internação, médicos, enfermeiros, minhas visitas.
Eu ainda não tinha a menor ideia do que ocorrera comigo - não sabia do AVC, que me paralisara o braço e a perna direitos - e sentia alguma dificuldade com a memória, que não respondia com a mesma precisão e alcance de antes. Os médicos haviam previsto que eu ficaria no máximo dois dias na UTI, fiquei nove ou dez, não sei precisar.
O relato do que me aconteceu, digamos, nos quatro dias pós-cirurgia é uma mistura de realidade e fantasia e hoje que eu recobrei plenamente o “juízo” ainda sinto dificuldade de separar o joio do trigo, ou seja, aquilo que foi acontecimento daquilo que foi pura imaginação. Como minha internação na UTI estendeu-se para além daquela fase de pesadelos e conturbação mental, algumas coisas eu pude confirmar - sim, foi real - ainda no período de hospitalização.
Por exemplo: a UTI da Unicamp funciona em biombos separados por muretas de alvenaria. São muretas baixas que deixam escapar o som de um biombo para outro e permitem que um paciente tenha uma pálida percepção do que se passa a seu redor. Num dos leitos a meu lado ficou um senhor que havia feito transplante de coração e recebeu o órgão de um menino de 12 anos de idade. Não tenho muita certeza, pode ter sido fruto da imaginação.
Num desses dias que passei na UTI, o hospital da Unicamp viveu o que poderia ser chamado de uma “noite de cão”, e a UTI se encheu de acidentados, infartados, e vários outros casos desses que costumam infelicitar as famílias nos horários mais impróprios. Até um Suserano que tentou suicídio à punhaladas veio se aninhar ao lado da minha cama enchendo de indignação médicos e enfermeiros que passaram até de madrugada na preparação de plasma para todos os que iam precisar de sangue. Acho que esse relato é uma mistura das duas coisas, fantasia e realidade. Usei até amigos que trabalham na Unicamp para tentar confirmar a internação de um Suserano - ou alguém com um título que o valha - e não consegui nenhuma informação, nenhuma.
O mundo atual, por outro lado, está cheio de suseranos - o título vem da Idade Média e significa dono de muitas terras e de muitos vassalos - mas não conheço nenhum país ou comunidade que tenha “importado” o título medieval. Senti muito não estar no meu juízo perfeito para poder observar a comunidade Unicamp - médicos, enfermeiros, enfermeiras - diante de uma situação que arranhava os limites da Ética, ter de dividir os parcos recursos de uma Instituição Pública com um suicida que resolveu acabar com a vida, pelo que percebi, por motivos religiosos ou culturais, não sei bem. De qualquer modo, pelo que notei, o Suserano, ou seja, lá quem diabos for, foi tratado com a mesma dignidade com que eu mesmo fui tratado.
Só sei que voltei à “normalidade” muito lentamente e tendo pesadelos, um após o outro, alguns dos quais, imagino, jamais me abandonarão, como aquele em que a comunidade médico-científica da Unicamp me acusava de haver contaminado com urina um laboratório inteiro, do qual dependia para sobreviver uma enorme quantidade de pacientes. Eram pesadelos terríveis, traumatizantes, porque misturavam personagens que eu fisgava nos momentos de lucidez - e eram todos reais - com outros que mal acabara de conhecer no período de internação, médicos, enfermeiros, minhas visitas.
Eu ainda não tinha a menor ideia do que ocorrera comigo - não sabia do AVC, que me paralisara o braço e a perna direitos - e sentia alguma dificuldade com a memória, que não respondia com a mesma precisão e alcance de antes. Os médicos haviam previsto que eu ficaria no máximo dois dias na UTI, fiquei nove ou dez, não sei precisar.
O relato do que me aconteceu, digamos, nos quatro dias pós-cirurgia é uma mistura de realidade e fantasia e hoje que eu recobrei plenamente o “juízo” ainda sinto dificuldade de separar o joio do trigo, ou seja, aquilo que foi acontecimento daquilo que foi pura imaginação. Como minha internação na UTI estendeu-se para além daquela fase de pesadelos e conturbação mental, algumas coisas eu pude confirmar - sim, foi real - ainda no período de hospitalização.
Por exemplo: a UTI da Unicamp funciona em biombos separados por muretas de alvenaria. São muretas baixas que deixam escapar o som de um biombo para outro e permitem que um paciente tenha uma pálida percepção do que se passa a seu redor. Num dos leitos a meu lado ficou um senhor que havia feito transplante de coração e recebeu o órgão de um menino de 12 anos de idade. Não tenho muita certeza, pode ter sido fruto da imaginação.
Num desses dias que passei na UTI, o hospital da Unicamp viveu o que poderia ser chamado de uma “noite de cão”, e a UTI se encheu de acidentados, infartados, e vários outros casos desses que costumam infelicitar as famílias nos horários mais impróprios. Até um Suserano que tentou suicídio à punhaladas veio se aninhar ao lado da minha cama enchendo de indignação médicos e enfermeiros que passaram até de madrugada na preparação de plasma para todos os que iam precisar de sangue. Acho que esse relato é uma mistura das duas coisas, fantasia e realidade. Usei até amigos que trabalham na Unicamp para tentar confirmar a internação de um Suserano - ou alguém com um título que o valha - e não consegui nenhuma informação, nenhuma.
O mundo atual, por outro lado, está cheio de suseranos - o título vem da Idade Média e significa dono de muitas terras e de muitos vassalos - mas não conheço nenhum país ou comunidade que tenha “importado” o título medieval. Senti muito não estar no meu juízo perfeito para poder observar a comunidade Unicamp - médicos, enfermeiros, enfermeiras - diante de uma situação que arranhava os limites da Ética, ter de dividir os parcos recursos de uma Instituição Pública com um suicida que resolveu acabar com a vida, pelo que percebi, por motivos religiosos ou culturais, não sei bem. De qualquer modo, pelo que notei, o Suserano, ou seja, lá quem diabos for, foi tratado com a mesma dignidade com que eu mesmo fui tratado.
(Imagem da realidade distorcida)
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