Por Dirceu Pio
Grande parte das minhas raízes está ligada à agricultura: meu pai era agricultor, meus irmãos mais velhos foram agricultores e eu nasci dentro de um cafezal florido no distrito de Macucos, município de Getulina, noroeste do Estado de São Paulo....
Com 26 anos, já casado e jornalista, com meu primeiro filho, ainda bebê, fui-me embora de São Paulo para Curitiba com a missão de chefiar a sucursal do Paraná dos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde...
Nos quase 20 anos que passei por lá, minhas atenções de jornalista estiveram sempre divididas à metade entre a temática rural e a urbana...
Vi de bem perto, portanto, o lento desenvolvimento da agropecuária desde a sua fase predatória, meramente extrativista, até chegar ao perfil atual que já começa, verdadeiramente, a produzir cultura, ou seja, a descoberta da importância da qualidade e da preservação do solo e das matas para que seja possível lucrar com a atividade...
Presenciei os primórdios do plantio direto!
A ignorância – enfim, os agricultores descobriram – custa muito caro a todos: eu vi famílias inteiras contaminadas por agrotóxico; eu vi o surgimento de áreas desérticas em algumas regiões do Paraná; eu vi a erosão causando danos graves a comunidades inteiras.
Eu vi de perto o desespero de inúmeras famílias com as restrições impostas por barreiras sanitárias para evitar o alastramento da aftosa ou da vaca louca...
Eu vi também a consciência despertada a fórceps pelas barreiras sanitárias impostas pelos países importadores de nossas commodities agrícolas...
CERCA DE PINHEIROS
E ouvi muitas histórias comoventes e dramáticas, quando daquela vez que eu e minha família – mulher e quatro filhos – de mãos dadas não conseguimos abraçar o tronco de um majestoso pinheiro araucária, preservado por mero valor estético ou histórico num parque público do município catarinense de Fraiburgo, enquanto um homem, que fizera parte da colonização do lugar, nos contava:
- Quando a gente chegou aqui nessa região havia tantos pinheiros dessa grossura pra mais que, para evitar o ataque dos caititus no roçado, a gente derrubava uma árvore dessas pra lá, outra pra cá, mais uma lá na frente, formando um quadrado que nenhum bicho do mato conseguia pular...
Em 1979, ao lado do repórter Paulo Anfreoli, produzimos uma série de reportagens sobre corrupção no antigo IBC (Instituto Brasileiro do Café), trabalho que me valeu especialização em sabor de café... A série produziu uma CPI na Câmara de Deputados e eu tive de depor...
Em 1982, na crise da carne, viajei de carro mais de 20 mil quilômetros pelas regiões de pecuária extensiva do Brasil e da Argentina à procura do boi gordo que havia desaparecido dos frigoríficos e dos açougues... Sou, portanto, desses raros jornalistas que sabe identificar um boi gordo e quando ele está ou não em ponto de abate...
FOGUEIRAS MONUMENTAIS
Tempos depois, acompanhei de perto a tentativa fracassada do Banco Bamerindus (de origem paranaense) de abrir uma fazenda de pecuária na Amazônia... Assisti pela televisão aquele que foi o maior incêndio florestal até então registrado no mundo, captado por satélite, na fazenda amazônica da Volkswagen, outro fracasso...
Vi de perto também, já pela Gazeta Mercantil, os primeiros experimentos de agricultura de precisão (maquinas agrícolas monitoradas por satélite depositam no solo enquanto sulcam a terra apenas aquela quantidade de nutriente indicada por análises) empreendidos pelo grupo Algar, no Triângulo mineiro....
Fui também o primeiro jornalista a entrevistar o agrônomo Roberto Rodrigues (2006) tão logo se afastou do Ministério da Agricultura do governo Lula... Foi quando tomei conhecimento, em detalhes, que a pecuária extensiva que ainda ocupava 200 milhões de hectares no Brasil há 20 anos atrás, com o avanço da genética animal e a evolução das técnicas de confinamento, começava a devolver à agricultura bem mais da metade dessa área, assim aliviando severamente a pressão pelo desmatamento da Amazônia...
O FEIO E O BONITO NAS CHAMAS
Em 2011, eu começava a escrever um romance (ainda inconcluso) para contar a saga da abertura de uma mega fazenda a norte do Pará, iniciada com um incêndio apoteótico, descrito neste trecho por um pistoleiro de nome Ataíde:
- A gente veio aqui pra ajudar o Patrão a botar fogo no mato. O que correu de onça e veado dessas matas foi uma desgraça. O Patrão é vivo. Antes de ordenar o incêndio, que demorou quatro dias para findar, ele arrastou isso e aquilo de madeira de dentro da mata, de dentro de suas terras e de fora delas, daquele eitão de solo também queimado para intenções futuras de expansão do território, o senhor entende. Esse eito de terra livre onde o senhor avista essa imundície de colonião ficou entupido de monte de tora e tora da boa. Ele separava tudo: mandava o trator acomodar peroba num canto, castanheira no outro, o tal de mogno, então, parecia praga ali dentro. No começo, ele queria construir as nossas casas todas de madeira. Chegou a implantar aquela serra elétrica que o senhor viu lá nos fundos. Depois, os homens de Sinop que mexem com madeira vieram aqui e... Devem ter oferecido uma dinheirama danada pelas toras... Por que o Patrão vendeu tudo, só ficaram pra uso da gente umas dez dúzias de troncos, talvez nem isso. Madeira dura pra lasca de cerca tem pela pastagem à fora. Não existiu fogo que acabasse com elas. Pra quem não tem compaixão com os bichinhos rasteiros, esses quatis e cotias, pacas e tatu, preguiça e tamanduá, o fogo foi bonito de se ver. O João Piancó aproveitou um tatu assado que apareceu naquele varejamento de cinzas, ali perto donde hoje ele mora. Foi uma perdição, seu Julinho. O feio e o bonito se encontraram no meio da chama que alvoroçou esse mundo de mata sem fim” .
Está guardado... Como me acusam de não ser mais jornalista, quem sabe termino o romance, publico, ganho prêmios e vou viver de Literatura, sonho impossível de ser realizado num país em que a população perde o prazer da leitura... rsrsrs.
Grande parte das minhas raízes está ligada à agricultura: meu pai era agricultor, meus irmãos mais velhos foram agricultores e eu nasci dentro de um cafezal florido no distrito de Macucos, município de Getulina, noroeste do Estado de São Paulo....
Com 26 anos, já casado e jornalista, com meu primeiro filho, ainda bebê, fui-me embora de São Paulo para Curitiba com a missão de chefiar a sucursal do Paraná dos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde...
Nos quase 20 anos que passei por lá, minhas atenções de jornalista estiveram sempre divididas à metade entre a temática rural e a urbana...
Vi de bem perto, portanto, o lento desenvolvimento da agropecuária desde a sua fase predatória, meramente extrativista, até chegar ao perfil atual que já começa, verdadeiramente, a produzir cultura, ou seja, a descoberta da importância da qualidade e da preservação do solo e das matas para que seja possível lucrar com a atividade...
Presenciei os primórdios do plantio direto!
A ignorância – enfim, os agricultores descobriram – custa muito caro a todos: eu vi famílias inteiras contaminadas por agrotóxico; eu vi o surgimento de áreas desérticas em algumas regiões do Paraná; eu vi a erosão causando danos graves a comunidades inteiras.
Eu vi de perto o desespero de inúmeras famílias com as restrições impostas por barreiras sanitárias para evitar o alastramento da aftosa ou da vaca louca...
Eu vi também a consciência despertada a fórceps pelas barreiras sanitárias impostas pelos países importadores de nossas commodities agrícolas...
CERCA DE PINHEIROS
E ouvi muitas histórias comoventes e dramáticas, quando daquela vez que eu e minha família – mulher e quatro filhos – de mãos dadas não conseguimos abraçar o tronco de um majestoso pinheiro araucária, preservado por mero valor estético ou histórico num parque público do município catarinense de Fraiburgo, enquanto um homem, que fizera parte da colonização do lugar, nos contava:
- Quando a gente chegou aqui nessa região havia tantos pinheiros dessa grossura pra mais que, para evitar o ataque dos caititus no roçado, a gente derrubava uma árvore dessas pra lá, outra pra cá, mais uma lá na frente, formando um quadrado que nenhum bicho do mato conseguia pular...
Em 1979, ao lado do repórter Paulo Anfreoli, produzimos uma série de reportagens sobre corrupção no antigo IBC (Instituto Brasileiro do Café), trabalho que me valeu especialização em sabor de café... A série produziu uma CPI na Câmara de Deputados e eu tive de depor...
Em 1982, na crise da carne, viajei de carro mais de 20 mil quilômetros pelas regiões de pecuária extensiva do Brasil e da Argentina à procura do boi gordo que havia desaparecido dos frigoríficos e dos açougues... Sou, portanto, desses raros jornalistas que sabe identificar um boi gordo e quando ele está ou não em ponto de abate...
FOGUEIRAS MONUMENTAIS
Tempos depois, acompanhei de perto a tentativa fracassada do Banco Bamerindus (de origem paranaense) de abrir uma fazenda de pecuária na Amazônia... Assisti pela televisão aquele que foi o maior incêndio florestal até então registrado no mundo, captado por satélite, na fazenda amazônica da Volkswagen, outro fracasso...
Vi de perto também, já pela Gazeta Mercantil, os primeiros experimentos de agricultura de precisão (maquinas agrícolas monitoradas por satélite depositam no solo enquanto sulcam a terra apenas aquela quantidade de nutriente indicada por análises) empreendidos pelo grupo Algar, no Triângulo mineiro....
Fui também o primeiro jornalista a entrevistar o agrônomo Roberto Rodrigues (2006) tão logo se afastou do Ministério da Agricultura do governo Lula... Foi quando tomei conhecimento, em detalhes, que a pecuária extensiva que ainda ocupava 200 milhões de hectares no Brasil há 20 anos atrás, com o avanço da genética animal e a evolução das técnicas de confinamento, começava a devolver à agricultura bem mais da metade dessa área, assim aliviando severamente a pressão pelo desmatamento da Amazônia...
O FEIO E O BONITO NAS CHAMAS
Em 2011, eu começava a escrever um romance (ainda inconcluso) para contar a saga da abertura de uma mega fazenda a norte do Pará, iniciada com um incêndio apoteótico, descrito neste trecho por um pistoleiro de nome Ataíde:
- A gente veio aqui pra ajudar o Patrão a botar fogo no mato. O que correu de onça e veado dessas matas foi uma desgraça. O Patrão é vivo. Antes de ordenar o incêndio, que demorou quatro dias para findar, ele arrastou isso e aquilo de madeira de dentro da mata, de dentro de suas terras e de fora delas, daquele eitão de solo também queimado para intenções futuras de expansão do território, o senhor entende. Esse eito de terra livre onde o senhor avista essa imundície de colonião ficou entupido de monte de tora e tora da boa. Ele separava tudo: mandava o trator acomodar peroba num canto, castanheira no outro, o tal de mogno, então, parecia praga ali dentro. No começo, ele queria construir as nossas casas todas de madeira. Chegou a implantar aquela serra elétrica que o senhor viu lá nos fundos. Depois, os homens de Sinop que mexem com madeira vieram aqui e... Devem ter oferecido uma dinheirama danada pelas toras... Por que o Patrão vendeu tudo, só ficaram pra uso da gente umas dez dúzias de troncos, talvez nem isso. Madeira dura pra lasca de cerca tem pela pastagem à fora. Não existiu fogo que acabasse com elas. Pra quem não tem compaixão com os bichinhos rasteiros, esses quatis e cotias, pacas e tatu, preguiça e tamanduá, o fogo foi bonito de se ver. O João Piancó aproveitou um tatu assado que apareceu naquele varejamento de cinzas, ali perto donde hoje ele mora. Foi uma perdição, seu Julinho. O feio e o bonito se encontraram no meio da chama que alvoroçou esse mundo de mata sem fim” .
Está guardado... Como me acusam de não ser mais jornalista, quem sabe termino o romance, publico, ganho prêmios e vou viver de Literatura, sonho impossível de ser realizado num país em que a população perde o prazer da leitura... rsrsrs.