07/11/2017

Gazeta Mercantil: o voo de galinha do Investnews!

        Quando, em março de 1998, fui admitido pela Gazeta Mercantil, já acumulava 10 anos de experiência na difusão de informações pelo meio eletrônico como executivo da Agência Estado, empresa do Grupo Estado, transformada na minha época de agência de notícias a agência de informações...

        A Agência Estado (AE), sob a batuta de Rodrigo Mesquita, teve uma decolagem esplêndida! Saíra de uma receita de 500 mil reais/ano, em 1988, para chegar a uma receita superior a 100 milhões/ano, em 1998... E eu não apenas participara como presenciara a decolagem, conhecia em minúcias todos os segredos do projeto...

        Mais que isso, eu havia estado na Nikkey, em Tóquio,  e observado como os japoneses conseguiam multiplicar o uso de um mesmo conteúdo por mais de uma dezena de mídias, inclusive o serviço por via eletrônica em tempo real...entrevistei diretores de conteúdo da Nikkey e redigi um relatório que impactou as atividades da Agência Estado...

        O Globo quis emular o modelo da AE, mas se deu mal: investiu em pessoas erradas e seu projeto de difusão de informações pela via eletrônica naufragou em menos de dois anos...Não conhecia os segredos da AE!

PARECIA URUCUBACA

        Quase coincidindo com minha saída da Agência, a Gazeta Mercantil contratou um funcionário graduado da AE, Edmilson Marin, para alavancar o Investnews, o braço eletrônico da empresa... Marin foi meu funcionário na Agência, eu é que o havia promovido a gerente... Era um ótimo vendedor. Nada mais que um vendedor...
Nos sete anos em que permaneceu na AE, nunca deu sequer uma pequena contribuição de caráter estratégico...

        Com pouco mais de um ano no cargo, Marin aproveitou o encontro da diretoria da Gazeta em Uberlândia (MG) para apresentar o “novo e revolucionário” software do Investnews recém desenvolvido sob sua orientação. Atrapalhou-se no meio da demonstração e teve de suportar a interpelação devastadora do diretor comercial, Cláudio Lachini (falecido em 2015):


        - Escuta Marin, tem um manual de uso desse programa para pessoas como você?

        Ao me afastar da Agência Estado em fevereiro de 1998, havia prometido a mim mesmo que nunca mais me meteria naquele tipo de trabalho, de ajudar uma empresa jornalística a decolar em atividades que pouco tinham a ver com o jornalismo clássico, tradicional, minha paixão... Ainda assim, redigi um longo e didático texto chamando atenção para os segredos que impulsionaram fortemente a Agência Estado...

        Minha intenção era entregar o material a Luiz Fernando Levy, o controlador da Gazeta Mercantil (falecido em Florianópolis em outubro de 2017), e fazer com que ele enxergasse o quanto erráticos eram os caminhos tomados até então pelo Investnews; antes de receber o texto, pediu que eu o encaminhasse a seu sobrinho, Victor Levy, que vivia já há vários meses no exterior se preparando pra assumir o braço eletrônico da Gazeta...

        Foi o que fiz. Sei que Victor recebeu, mas creio que não teve tempo de ler: foi demitido algumas semanas depois embaixo de uma nuvem de suspeitas de que desviara recursos da empresa; nunca mais ouvimos falar dele...

        Parecia urucubaca...O Investnews continuou o seu voo de galinha... No segundo semestre de 2000, Levy conseguiu fechar a negociação de venda de parte do Investnews ao grupo Portugal Telecom e assim obteve uma injeção de capital da ordem de R$ 80 milhões, isso mesmo, 80 milhões.

        Pelo que se ouviu dizer na época, o dinheiro serviu para que Luiz Fernando Levy comprasse as ações pertencentes a seus irmãos e se posicionasse como controlador soberano da empresa. O dinheiro dos portugueses desapareceu e não serviu sequer para fazer o Investnews decolar (sei dizer que a Portugal Telecom foi muito boicotada por assessores de Levy).

DIÁLOGO COM SURDOS

        Em 2002, a crise já mostrava a sua cara aterradora. Luiz Fernando Levy batera em retirada, entregando o comando da empresa ao jovem financista Sergio Thompson Flores... Eu continuava na direção das Unidades Regionais do interior paulista, trabalhava intensamente sem receber salário e me recusava a usar a meu favor recursos da empresa arrecadados pelas três unidades que administrava...

        No comecinho do ano, sou chamado a São Paulo para uma conversa com Sergio Thompson Flores... Não fui avisado do assunto.

        Já em sua sala, descobri que ele soube que eu havia trabalhado dez anos na Agência Estado e queria conversar sobre o Investnews. Animei-me com a possibilidade de transferir conhecimento e conceitos ao Investnews e quem sabe levar o serviço a encontrar um rumo:

         Flores - O que acontece com o Investnews, hem? Por que esse serviço depois de tanto tempo não decolou?

         Eu - A marca Investnews é hoje uma marca queimada. Tentou concorrer com a Agência Estado e não conseguiu...

         Flores - Mas por que isso aconteceu ?

        Eu - No fundo, ele oferece ao mercado algo que não tem pra entregar: o chamado “hard-news”, a notícia quente do momento, que não é e nunca será a praia de seu principal provedor, o jornal Gazeta Mercantil.

        Flores - Então quer dizer que a Gazeta não tem condições de produzir “hard news”?

         Eu - Não, não tem. Nunca terá...

         Flores - Como assim? Ah, o Roberto Muller (diretor de redação) tem de participar dessa conversa (liga para Muller e o chama em sua sala).

         Flores (dirigindo-se a Muller) - A Gazeta Mercantil então não tem condições de produzir “hard news”?


         Muller (certamente enxergando em sua frente um diretor regional pretendendo assumir o comando do Investnews) - Claro que tem. A Gazeta tem condições de produzir todo o hard-news que o Investnews vier a precisar.

         A conversa implodiu. Dali em diante, Thompsom Flores e eu fomos obrigados a ouvir Roberto Muller  dissertar sobre seus “vastos conhecimentos” de serviços de difusão eletrônica e seus planos para ativar o Investnews, deixando claro, evidentemente, que para isso não precisaria de minha ajuda. E o Investnews atravessaria mais dois anos de crise representando apenas  um centro de custos — e custos elevados — para uma empresa em agonia.

        Para alavancar o Investnews, ao invés de aproveitar as informações que eram captadas para produção do jornal Gazeta Mercantil – o que eu proporia, se me ouvissem - a dupla Roberto Muller - Mathias Molina (responsável pela redação) investiu preciosos recursos na montagem de uma estrutura específica e paralela, diziam eles que “especializada” na produção de hard-news (Um dos segredos da AE era justamente o de realizar um segundo aproveitamento dos conteúdos que já eram produzidos para os jornais da casa –  Estadão e Jornal da Tarde).

        Chefiava a estrutura a esposa de Mathias Molina, Cinthia Malta. Convivi com ela o suficiente pra perceber que  não tinha a menor noção do que fosse um serviço de difusão de informações pela via eletrônica.

UM SERVIÇO DE FEATURES

        No texto que enviei a Victor Levy, sugeria que a Gazeta esquecesse o hard-news e competisse naquilo que ela mais sabia fazer:  features de economia e análise setorial (ver ao final deste texto o significado do termo feature*)... O fracasso da Gazeta Mercantil é também um belo exemplo a demonstrar o quanto as lideranças personalistas podem contribuir com o naufrágio de um bom empreendimento...

        Eu tinha certeza de que o dinheiro que a Gazeta Mercantil precisava para superar a crise e se reequilibrar poderia vir do Investnews se soubesse aproveitar alguns dos segredos da Agência Estado que eu poderia revelar, gratuita e desinteressadamente... Desde que pagos pela mídia impressa, os custos dos serviços de difusão de informações pela via eletrônica são baixíssimos e as receitas não decaem com as crises... diria que elas até aumentam porque todos os usuários vão precisar de mais informações pra se defender dos males da crise... Outra vantagem é que a inadimplência é sempre próxima de zero – se não pagar a fatura do mês, o usuário fica sem informação...

        E a Gazeta Mercantil, por sua tradição e credibilidade na produção de features de economia e negócios, tinha plenas condições de decolar rápido e ocupar, em no máximo dois anos, um segundo lugar na condição de provider do mercado financeiro e empresarial...

        *FEATURES - Gênero jornalístico que vai além do caráter factual e imediato da notícia, opondo-se a "hard news", que é o relato objetivo de fatos relevantes para a vida política, econômica e cotidiana (Folha On-Line).

(No próximo capítulo da série sobre Luiz Fernando Levy, falarei da inefável gestão Nelson Tanure e do declínio dos Fóruns de Líderes)





Paula Gertrudes, Luiz Fernando Levy, Cláudio Lachini... 

Cláudio Lachini e Levy na época em que eram amigos...
O inesquecível Cláudio Lachini e Paula Gertrudes, espécie de chefe do cerimonial da Gazeta Mercantil, cuja beleza e simpatia a fizeram amada por toda a comunidade "gazetiana"...