Nem me lembro mais do nome da enfermeira que fez o primeiro
atendimento no meu quarto; sei que era baixinha e simpática. Foi na minha
primeira internação, há 18 meses. Ao me transferir da cadeira para a cama,
escapei e quase fui ao chão; em pânico, deu um jeito de enfiar-se embaixo de
mim para amortecer ou evitar a queda. “Já pensou se o senhor cai? Deus me livre!”
– comentou, ainda desconcertada.
Eu, para aliviar a situação, respondi:
- Não se preocupe, eu gostei, foi
a queda mais macia que já sofri na vida ! Vou até sugerir ao Lucy instituir uma
nova terapia com o título de “queda sobre a enfermeira”.
Foi difícil, mas consegui arrancar
dela um primeiro sorriso, o que a tornou ainda mais cativante.
Nos andares de internação, não são
muito raras as quedas de pacientes; ao serem internados, todos ganham uma
pulseirinha de um tipo de cor de acordo com o risco de queda (nesta terceira
internação, ainda não consegui livrar-me da pulseira vermelha, que indica “alto
risco”). Ficou para a próxima ou quem sabe para o finalzinho desta, se tudo
correr bem. Outra medida, diria que
disciplinar, é a proibição aos portadores da pulseirinha vermelha e cuidadores de fazerem, nos primeiros dias
da internação, qualquer tipo de transferência sem a presença de um enfermeiro
ou enfermeira como observador. A liberação só ocorre após dois ou três dias de
observação e após o aval do fisiatra do andar.
Rosa, Sebastiana, Antônia, Raquel,
Ana, Elisângela, Fernanda, Tiago, Gilmar, Lilian, Tatiana, entre tantos outros
– o Lucy tem um quadro de enfermeiros, enfermeiras, oficiais administrativos,
exemplar. Não importa o horário do dia, da noite ou da madrugada – todos
parecem trabalhar com alegria e elevado senso profissional.
Vejam o caso de Rosa, enfermeira;
suas lembranças me perseguem no antes e após o Lucy Montoro. Em casa, ouço sua
voz – forte e ao mesmo tempo suave- sempre que vou tomar algum remédio: “Toma
muita água, seu Dirceu!“ Graças a ela creio que dupliquei a ingestão de água
nos últimos meses e meu organismo parece agradecido. Eu a conheci na segunda
internação e confesso que estava ansioso por revê-la nesta. Por sorte, ela
atende o sexto andar onde me encontro.
Outra voz inconfundível é a de
Sebastiana, que me acorda às 5h, 30 da manhã com o seu delicioso sotaque
mineiro e apreciável bom-humor. “Sei que aqui não pode entrar criança – ela diz
– mas eu não vou deixar minha filhinha com ninguém; onde eu vou, ela vem
junto”. Ainda sonolento, custei a entender. Ela se referia à menina que está em sua barriga. Sebastiana
entrou em julho de 2015 no oitavo mês de gravidez. Daqui mais trinta e poucos
dias virá ao mundo sua filhinha, que irá se chamar Yasmin.
A cada internação, a enfermagem
parece melhor, mais comunicativa, mais preparada; nunca fui de acordar muito
cedo, mas Elisângela me tira elogios rasgados à elegância e simpatia; sempre de
cabelo-loiro bem alinhado, sempre maquiada com sobriedade, até o uniforme lhe
cai muito bem. “Como você consegue surgir no meu quarto assim tão elegante às
cinco horas da manhã?”- sua resposta é apenas um sorriso que irradia simpatia e
beleza.
Já a conversa com Antônia é sempre
uma imersão na cultura do nordeste. Ela é cearense e gosta de falar dos
momentos vividos em sua terra-natal. Cita expressões regionais e sabe dizer dos
usos e costumes do Ceará. E fala num sotaque suave e gostoso. Lilian, oficial
administrativo, fica sempre de cabeça baixa atrás do balcão de enfermagem,
espécie de recepção dos andares da internação, ligada na tela do computador.
Uma vez surpreendi-a contando a uma amiga, ainda indignada, a história do idoso
que a ofendeu no ônibus que a traz todos os dias ao trabalho. Eu a via sempre
que passava em frente ao balcão indo ou vindo das sessões de terapia. Brincava com
ela – “E o idoso mexeu com você hoje?”. Ela ri um riso gostoso. Foi ela que me
surpreendeu contando a uma enfermeira que iria escrever uma crônica em
homenagem ao corpo de enfermagem do Lucy.
- Não se esqueça de mim e do meu
idoso nessa sua crônica, hem seu Dirceu? – ela me exortou com simpatia.
Lilian trabalha ao lado de
Fernanda, outra enfermeira nota dez. Já havia pedido a vários enfermeiros para
Ligar para a Net – operadora do sinal de TV do setor de internação – para
solicitar a retirada de um selo promocional que atrapalhava muito a visão das
imagens; nenhum deles obteve resultado e o selo continuava lá. Foi quando
repeti o pedido a Fernanda, que se comprometeu a voltar a falar com a Net. Foi
o tempo de retornar ao quarto e ligar a TV: o selo já havia sido retirado.
Os exemplos de eficácia de
enfermeiros, enfermeiras, oficiais administrativos se repetem “ad infinitum”.
Como no caso de Gilmar, enfermeiro. Um dia fomos convocados, pacientes e
cuidadores, para participar de uma palestra no primeiro andar. Para mim o tema
era bem pouco atrativo: doenças sexualmente transmissíveis, AIDS, Herpes,
Sífilis, etc. Ao longo da minha carreira de jornalista, colecionei tantas
informações sobre o assunto que achava que ninguém poderia me passar alguma
novidade. Surpreendi-me. Um dos dois palestrantes era Gilmar, enfermeiro, respondia
perguntas com propriedade e vasto conhecimento científico. Foi talvez a
palestra mais interessante sobre o assunto que presenciei na vida.
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