24/08/2015

Tocadores do Lucy (III)

As meninas da T.O. (sigla de Terapia Ocupacional) compensam com carinho e afeto as chicotadas que a vida deu (e às vezes continua a dar) nos cadeirantes internados no Lucy Montoro; vivemos, nós, os cadeirantes, entre a realidade e a depressão; as meninas da T.O. conseguem nos por novamente na realidade e com ânimo para enfrentar o árduo – e muitas vezes dolorido – caminho da reabilitação.
        Na segunda internação, minha T.O. foi a inesquecível Amanda. Devo a ela a quase total recuperação do meu braço direito, paralisado pelo AVC que me atingiu em fins de julho de 2013 durante a cirurgia que fui obrigado a fazer no hospital da UNICAMP para desobstrução das coronárias; não foi apenas a reabilitação do braço; com seu método persuasivo, tenaz, Amanda ampliou bastante também minha independência em relação ao cuidador, seja me passando métodos práticos e eficazes para me vestir, para me alimentar, para tocar a cadeira de rodas, etc.
        Nesta terceira internação, fui contemplado por duas T.O.s do mesmo calibre de Amanda – Kamyla e Tharsila. Kamyla assumiu e três ou quatro dias depois adoeceu (conjuntivite) e sua missão foi repassada a Tharsila. Levarei das duas também ótimas  lembranças.
        Kamyla passou pouco mais de uma semana em casa e retornou ao trabalho em meus últimos dias de internação; teve tempo, contudo, de concluir seu brilhante trabalho. Diria que os dias que passei em companhia de Tharsila foram da mesma forma inesquecíveis – ela tem um jeito doce e suave de se relacionar com seus pacientes. Tem um sorriso encantador.
        Na primeira semana, Tharsila concluiu a avaliação que Kamyla iniciou mas não teve tempo de terminar:
        - Agora, seu Dirceu, o senhor vai-me dizer, numa escala de um a dez, pela importância, as coisas que fazia e hoje não consegue fazer mais.
        Eu mencionei várias coisas, entre as quais a leitura de livros mais volumosos, pois minha mão direita não tem força para sustentá-los pelo tempo necessário; outra dificuldade mencionada foi a de me vestir com a roupa da parte inferior do corpo, calça, meias; Tharsila insistiu por uns dias com a melhora do desempenho do braço direito e Kamyla retornou com disposição redobrada; passou exercícios para melhorar o uso da mão direita, que andava um tanto esquecida e me levava para o quarto, com ajuda da cuidadora, para treinamentos persistentes de colocação de calças e meias; os ganhos de independência foram, mais uma vez, enormes.

        No último dia da internação, Kamyla  entregou-me  um presente que fechou com chave de ouro o tratamento: um suporte de papelão para apoiar os livros mais volumosos como incentivo a que eu retomasse a leitura com a mesma intensidade de antes; ela construiu o invento em casa e suas colegas na  T.O. ficaram encantadas com ele, com certeza não mais que o encantamento de quem o ganhou. Trouxe-o para casa e ainda não o usei. Serve, por enquanto, para eu manter acesa a lembrança de Kamyla com seus olhos grandões e maravilhosos, seu rosto afilado – rosto de princesa.

(Seção de Terapia Ocupacional)

2 comentários:

  1. Sr. Dirceu,

    Adorei seu texto! Muito obrigada pelo carinho e reconhecimento do nosso trabalho.
    Esperamos te ver em breve e cada vez melhor, sempre!
    Bjos
    Tharsila

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    1. Tharsila, estou comovido por sua gratidão. Deus lhe pague pelo que você fez pela gente. A Susana também lhe manda um beijo e lhe deseja tudo de bom.Dirceu e Susana

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