16/10/2015

O Homem e a Cadeira de Rodas (1)

        O telefone, em casa, fica a uns 20 metros do computador, frente ao qual eu passo várias horas ao dia, trabalhando; sempre que o telefone toca e minha mulher, Susana, atende, fico atento; geralmente, quando querem falar comigo, eu percebo e já me desloco em direção ao telefone; meus interlocutores esperam por mim o menor tempo possível.
        Ainda outro dia o telefone tocou, Susana atendeu e não demorei a descobrir que era um amigo lá de Santa Catarina que queria falar comigo; minha mulher disse: “Ele está no computador, espera que eu vou lá buscá-lo e o trago aqui rapidamente”. Falei com ele, matei a saudade mas não engoli aquele “vou lá buscá-lo” de Susana. Soou para mim como uma redução das minhas possibilidades.
        Uns dois dias depois conversávamos à mesa do almoço, eu, Susana e nossa nora, Sílvia, e falávamos de um sobrinho pelo qual eu tinha a maior consideração e que me deixou bastante indignado por sua atitude: morou em casa durante vários anos, de repente saiu para casar, ter filho, e se afastou da gente sem dizer sequer um obrigado; moramos hoje a menos de 100 quilômetros um do outro mas ele nunca veio nos visitar; deu uma de cachorro magro; sabe que eu adoeci gravemente, que baixei em cadeira de rodas, mas ele nunca mais me visitou, nem sequer me deu um telefonema.
        Nessa conversa de almoço, Susana, que de vez em quando se fala por telefone com a mãe do rapaz, sua irmã, me disse que ele e a mulher, que eu ainda não conheço, estão desempregados, passando por dificuldades. Eu então pus para fora um pouco da minha indignação com o rapaz:
        - Nem quero saber como ele anda ou deixa de andar, não me interesso mais por ele. Não pretendo mais ajudar.
        Nesse instante, Susana soltou um sorriso irônico e fez seu comentário cruel:
        - Você ajudar? Você não consegue mais ajudar a si mesmo e como vai conseguir ajudar os outros?
        Reagi com mais indignação e tristeza; chamei-a ao computador meia hora depois e mostrei a mensagem que havia passado naquela manhã a nosso filho Edu, engenheiro de alimentação. Era um relatório que um amigo de São José dos Campos, a meu pedido, havia me passado sobre as indústrias do Vale do Paraíba. Um verdadeiro guia de mercado. Era eu tentando ajudar nosso filho. Ela leu, compreendeu e pediu-me desculpas, bem arrependida do que disse.
        Eu fiquei ali com minhas reflexões; na cadeira de rodas, tempo é o que não nos falta para reflexão. Porque é que as pessoas que gostam de mim com intensidade, como Susana, cometem esses gestos falhos de avaliação das possibilidades reais de um cadeirante? Eu me perguntei sem demorar a encontrar uma resposta.
        É a maldição da cadeira de rodas, um símbolo forte de impossibilidades, capaz de esconder competências, habilidades, tirocínio intelectual, virtudes que, graças a Deus, o AVC não me tirou. Ela, a cadeira de rodas, joga a pessoa sempre para trás, nunca para frente. Não é à toa que a sociedade vê o cadeirante com uma montanha de preconceitos e desprezo, um estorvo para as pessoas normais.


17 comentários:

  1. Pai, pela minha experiência explicaria assim: Temos um medo muito grande de que coisas ruins aconteçam com nossa saúde ou com a de pessoas próximas. Como forma de controlar este medo optamos, de forma errada, por nunca conversar, ler, ou entrar em contato de qualquer forma com o assunto. Assim as informações que temos sobre cadeirantes, e outras várias enfermidades, são sempre superficiais e muitas vezes incorretas, infelizmente. Se fossemos melhor informado sobre o assunto não teríamos passado por tanto sufoco no começo, quando você ficou acamado, não é?

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  2. Muito bom o texto, a indiferença judia, mas nem todos o veem como diferente, um pouco está na cabeça dele pelo fato de hoje ele estar na cadeira e um pouco dependente.

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  3. Eder, meu filho querido, viver é muito perigoso, já dizia João Guimarães Rosa.

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  4. Querido Dirdeu. Aqui em Curitiba, mesmo longe de você, estamos todos na torcida. Perdemos o Hélio há pouco tempo, mas ainda temos você. Como dizia o título daquele filme de lutas: "Retroceder nunca, render-se jamais." Avante, meu chefe. Beijos. Luiz Kamizi te manda outros. Vai te escrever.

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    1. Obrigado, Jorjão; quero falar com você qq hora dessas sobre o projeto de um site que estou desenvolvendo. Me aguarde.

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  5. Isso acontece porque a limitação fica mais visível. Mas qualquer dispositivo assusta quem não está acostumado. A todo momento ouvimos comentários como "ele está no oxigênio"... "come só pela sonda". "toma insulina todo dia".. Faltam esclarecimentos sobre esses recursos que surgiram para melhorar a qualidade de vida de quem tem algum comprometimento. Sempre me lembro de uma terapeuta que falava tatibitate com meu marido e a certa altura perguntou a ele: "qual o meu nome"? Ele respondeu corretamente , e ela: "muito bem, boa memória". E ele, apontando para o crachá: "é que eu sei ler".

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  6. obrigado, Suely. Você, com sua experiência em casa, foi ao ponto. Aprendi lá na UTI do hospital da Unicamp que não podemos brincar com os enfermeiros, eles têm o poder e agem corporativamente; se você der bobeira, eles lhe ferram, mais do que você já está ferrado. Abraços

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  8. Tio, ser cadeirante nesse país é bem difícil mesmo. Estamos há anos luz das políticas de "inclusão" e de mobilidade urbana que se vê fora do Brasil. De qualquer forma, tire a mágoa do seu coração. Seu sobrinho saiu da sua casa muito antes de você adoecer. Ajudamos as pessoas e já está (como diz meu neto Theo). Esperar por qualquer atitude de qualquer pessoa em qualquer situação é um problema nosso e não deles - é difícil, eu sei, mas é uma meta a ser alcançada e perseguida. Um beijo com muitas saudades.

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    1. Não tenho mágoa, Suely; o sentimento é bem diferente, é desapontamento, decepção, e este não há como tirar do coração. Vai ficar ali a um cantinho a provocar dor sempre que a memória traz de volta a ingratidão. Paro por aqui porque este papo ainda pode virar samba de Lupicínio Rodrigues...Você tocou num assunto que me interessa: a inclusão em vigor lá fora; você e seu marido, Joaquim, não poderiam mandar-me um relato mais substancial sobre o assunto ? beijão procê também.

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    2. Tio, mandei diversas fotos para voce pelo facebook há mais de um ano. Um dos seus filhos (acho que o Eder) disse que te mostraria - são fotos de mobilidade urbana em pais de primeiro mundo - Espanha - mesmo estando em crise, os ganhos sociais se mantém. Se ele não conseguir recuperar as fotos me avise que tentaremos recuperar por aqui e te mandar por alguma outra via, combinado?

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    3. De qualquer forma te digo: TODAS AS CALÇADAS da cidade tem guias rebaixadas; todo transporte público, além de rampas (quase nunca necessárias, pois a entrada quase sempre se dá no mesmo nível da rua), no seu interior, tem espaço reservado para cadeirantes, carrinhos de bebe, entre outros; o acesso a locais como comércio, museus, restaurantes é sempre muito tranquilo (rampas, elevadores, .....). Pelas ruas/parques/comércio/etc é bem comum ver cadeirantes, pessoas com andadores, carrinhos de bebe ... Um dos políticos bem importantes em Zaragoza, do partido PODEMOS, é cadeirante. Os espaços públicos são utilizados por todos, independentemente da sua condição física ou idade. É admirável mesmo. Claro, sem contar que as cadeiras de roda podem alcançar "alta" velocidade - são motorizadas, em grande parte (eles são punidos se infringirem as normas de tráfego!). Direitos e responsabilidades. Ah, esqueci: semáforos sonoros para aqueles com deficiência visual!

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    4. ps: Zaragoza não é exceção na Espanha, É REGRA! bj meu e do Joaquim

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    5. Obrigado, caros. Se vocês puderem mandar novamente as fotos escaneadas pra meu e.mail, agradeceria muito.

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    6. Mandei as fotos para dirceupio@yahoo.com.br. O endereço é esse? Recebeu?

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