23/12/2017

UMA SAÍDA PARA OS JORNALISTAS!

        Neste 17 de dezembro de 2017, um domingo, recebi a visita, em casa, em Vinhedo, SP, do meu amigo Raul Bastos e de sua companheira de tantos anos, Beatriz Revoredo... Matamos a saudade, conversamos, almoçamos... Fazia mais de 20 anos que não nos víamos... Foi na antevéspera do meu aniversário de 70 anos... Emoções indescritíveis!

        Pra quem não sabe, Raul Bastos é uma lenda do jornalismo brasileiro. Se houvesse uma academia dos imortais do jornalismo, deveria ser entronizado como presidente emérito e vitalício... Foi meu guru, incentivador e inspirador.

        Ao longo da vida, não cheguei a conhecer ninguém com sua argúcia, sua percepção fina da notícia, sua dedicação ao trabalho jornalístico... Raul sempre foi jornalista nas 30 horas do dia! 

         E é denso! Sempre leu muito... Na visita, presenteou-me com “História da Riqueza no Brasil”, de Jorge Caldeira... Comecei a ler... Tenho de me preparar para um mergulho profundo na história deste país que ainda insisto em amar...

        UMA REDE IMORTAL

        Foi Raul Bastos quem montou, tijolo a tijolo, passo a passo, a Rede de Sucursais e Correspondentes do jornal O Estado de São Paulo, hoje uma referência histórica de qualidade em jornalismo...

        Nomeava o jornalista e depois o orientava, acompanhava seu trabalho, incentivava voos cada vez mais altos e mais seguros... Tive o privilégio de entrar para a rede em 1973 pela Sucursal do ABC. 

        Em 1975, eu já trabalhava ao lado dele em São Paulo, no antigo prédio da Major Quedinho... Então, ele me mandou, ao lado do Chefe da Sucursal de Campinas, Roberto Godoy, e do fotógrafo Waldemar Padovani (já falecido), para fazer uma primeira reportagem sobre Itaipu... Iriam começar as obras de construção da maior hidrelétrica do mundo em Foz do Iguaçu e na zona da fronteira de Brasil, Paraguai e Argentina...

        Antes da partida, chamou-me para uma conversa: foram trinta minutos de orientação sobre o trabalho que esperava que eu fizesse... Uma orientação clara, ampla, profunda: saí em viagem compenetrado de que a região que eu iria visitar era especialíssima – fora palco da Guerra do Paraguai, território indígena dizimado, envolvida por questões geopolíticas relevantes...

        Coincidiu que um ano depois, fui enviado pelo mesmo Raul Bastos para reestruturar a Sucursal de Curitiba e lá fiquei por 16 anos, como responsável pela cobertura da construção de Itaipu, da assinatura do tratado Brasil-Paraguai, em 1971, até a inauguração de quase todas as turbinas, em 1998...

        Foi a primeira orientação de Raul Bastos que iria balizar todo o meu trabalho de mais de 15 anos em Foz do Iguaçu... Mais do que isso, aquela conversa de 30 minutos influenciaria toda minha vida de repórter e de jornalista, pois aprendi ali que uma informação é sempre muito mais do que se registra no caderno de anotações... Nunca mais enxerguei Itaipu como uma simples usina hidrelétrica e sim como uma obra estratégica, que ainda há de mudar a história da economia do Paraguai, representando uma super-arma num possível conflito Brasil/Argentina – se as comportas de Itaipu forem abertas de uma só vez quase metade do território argentino será inundada...

         DOIS LIVROS, UMA MISSÃO

        De volta ao almoço de Vinhedo, digo que dois assuntos dominaram a conversa... O primeiro, provocado por mim, é a necessidade emergente de escrevermos dois livros – o primeiro contará a história da rede de sucursais e correspondentes do jornal O Estado de São Paulo e o segundo contará a história da criação e do desenvolvimento da Agência Estado...

        A rede foi, sem dúvida, um capítulo importantíssimo da história do jornalismo brasileiro, um capítulo que precisa ser documentado em livro para que não se percam da memória nacional experiências e iniciativas de um jornalismo que pretendeu ser nacional num território imenso, servido por telex, telégrafo e uma rede de telefonia precaríssima... Só mesmo Raul Bastos para produzir qualidade em condições tão adversas...

        Foi Raul quem criou a Agência Estado... Ela nasceu em 1970 como agência de notícias e foi transformada em agência de informações por Rodrigo Mesquita a contar de 1989. Uma agência de notícias produz material informativo para mídias (reprodução) e uma agência de informações fornece notícias e dados também para mercados, para orientar operações de compra e venda de ativos financeiros, como exemplo...

         Eu participei de ambas as experiências... Fui chefe de duas sucursais (ABC e Curitiba) da rede de Raul Bastos e diretor da Agência Estado nos tempos de Rodrigo Mesquita... Talvez por isso, tenha sido escalado para coordenar o projeto de ambos os livros e já peço ajuda de todos os jornalistas que de algum modo foram envolvidos por um ou por ambos os projetos... Rodrigo Bastos, um dos filhos de Raul, já embarcou no projeto com entusiasmo...  Entramos na fase de catalogar sugestões...

        PREOCUPAÇÃO À PARTE

        Durante o almoço, com alguma apreensão e tristeza, falamos da condição de jornalistas da nossa faixa de idade – dos 60 aos 80 anos – que vivem em dificuldades causadas, de um lado pelas transformações arrasadoras dos meios de comunicação, e de outro pela miserabilidade do sistema previdenciário...

         Pessoas sábias, experientes, que já não encontram empregos minimamente decentes obrigadas a viver de uma aposentadoria ridícula e a pedir ajuda aos filhos para sobreviver com dignidade... 


         Em artigo anterior em meu blog (“Capacho Sindical”), reclamei com severidade da falta de um sindicato para liderar uma discussão mais ampla que trouxesse luz e apoio aos jornalistas nesta hora de disrupção violenta dos meios de comunicação...

        Relembre aqui: 

        "Poucas profissões - escrevi em meu Blog -  têm sofrido um impacto tão forte com as mudanças decretadas pela evolução das tecnologias de informação, quanto a do jornalista, transformado, de verdade, numa borboleta perdida na tempestade... E o Sindicato (dos jornalistas do Estado de São Paulo) poderia neste momento ser um “think-tank”, ou seja, um centro de conhecimento e um farol a iluminar os caminhos do presente e do futuro...

        Só que não!
        
        O Sindicato que já foi de Audálio Dantas, depois de submergir nas trevas e nela permanecer por muitos anos, resolve transformar-se numa espécie de capacho do PT e do Lula!

         Isto é uma vergonha, diria Bóris Casoy, aquele mesmo jornalista que em maio de 1979 impediu que a redação da Folha de São Paulo parasse em razão de uma greve que fora decretada pela primeira influência nefasta da CUT, à qual o Sindicato está até hoje filiado...”

        COOPERATIVAS, UMA SAÍDA

         Pois bem, na falta de um “think-tank”, eu mesmo proponho uma possível saída: que tal começarmos a criar “cooperativas temáticas” que possam remunerar os  jornalistas por produção? Meu amigo Elmar Bones, lá do Rio grande do Sul, poderia se envolver e nos passar detalhes de sua experiência na Coojornal, uma memorável experiência de cooperativismo entre jornalistas...

         Pelo pouco que eu entendo das novas e novíssimas mídias que surgem na esteira do desenvolvimento da internet, digo que a ideia pode dar muito certo... Meu amigo Rodrigo Mesquita, uma das cabeças mais sintonizadas com as mudanças do mercado de comunicações no Brasil, tem-nos mostrado que a informação, hoje, está nas redes sociais, canais de acesso a todas as fontes...

         Vejo que captar, selecionar, tratar (preparar para divulgação), curar (sinônimo de validar ou certificar), informações disponíveis nas redes deve representar um valor que pode ser precificado... Todas essas funções devem ser entregues a boas cooperativas temáticas, pois vão de encontro a tudo aquilo que o jornalista experiente sabe fazer.... 

         É claro que a ideia precisa ser amplamente discutida, ampliada, melhorada, aperfeiçoada, mas dou a largada na discussão indicando duas cooperativas que poderiam ser criadas já, sem mais hesitação – a Cooperativa da Agricultura Familiar e a Cooperativa de Arquitetura e Urbanismo... 

         O campo para produção de conteúdos para a primeira delas é imenso... A Agricultura Familiar vive um momento especial na medida em que tem todas as condições de acompanhar o ritmo acelerado de desenvolvimento do agronegócio... Suas carências – incorporação de novas tecnologias, barreiras da comercialização, como exemplos – podem ser atendidas a começar pela difusão de conteúdos apropriados...

          Já a cooperativa de arquitetura e urbanismo poderia centrar fogo nas questões da acessibilidade urbana e nas novas tecnologias aplicadas às cidades, do saneamento básico às edificações... Onde houver uma inovação, uma solução urbana, haverá um jornalista cooperativado pensando em compartilhá-la...

         Entenda-se que o cooperativismo pode abrir espaços também a bons ilustradores, chargistas, fotógrafos, especialistas na produção de vídeos... Antes de tudo, é preciso que se entenda que todo e qualquer espaço só poderá ser aberto por boas iniciativas empreendedoras...

         O empreendedorismo há de vencer a perplexidade e a inércia!



Um  trio que teve fortes ligações com a rede de sucursais e correspondentes do Estadão...Tanto Adhemar quanto Rodolfo já são falecidos...





Raul Bastos, Toninho, Armindo, Adhemar, Realindo e Olivier, um sexteto comprometido com a rede de sucursais e correspondentes do jornal O Estado de São Paulo...


Rodrigo Mesquita



Obras de Itaipu:






13/12/2017

CAPACHO SINDICAL!

        Escolhi o jornalismo por duas razões: queria, digamos, amplificar um pouco minha influência política e conquistar alguma segurança pra me defender da sanha da Ditadura Militar que então multiplicava seus tentáculos repressores por toda parte, sem fazer distinção de sexo, idade, credo, ideologia ou prática política....

        Vivíamos uma época de muito medo!

        Creio que acertei na escolha! Meus escritos, sempre em contínua evolução tanto na forma quanto em conteúdo, venceram em pouco tempo os limites regionais para ganhar amplitude nacional... Passei menos de três anos como repórter do Diário do Grande ABC (vi de muito perto a ascensão de Lula) e pulei, já como chefe de Sucursal, para o Estadão e Jornal da Tarde - meu primeiro ícone em jornalismo...

        A carteirinha de jornalista serviu-me de escudo muitas vezes, nenhuma delas tão decisiva quanto aquela em que eu e um amigo (Ariverson Feltrin, já falecido) fomos levados de taxi por um SS do Exército, do centro de São Paulo ao quartel da Rua Tutóia, memorável centro de tortura, onde fomos submetidos a interrogatório pesado e só liberados quando descobriram a identidade de jornalista que ambos guardávamos em meio aos documentos que já haviam confiscado... Queriam apenas saber onde o meu amigo havia conseguido a jaqueta de uso privativo do Exército que ele ostentava ao ser abordado no centro-velho de São Paulo...

        O curioso é que eu já desdenhava da importância de um sindicato para defender os interesses de profissionais cuja ferramenta chama-se “massa encefálica”, ainda que muitos não a tivessem em volume minimamente razoável... Sempre encarei o jornalismo como uma função missionária e o jornalista como um profissional liberal com discernimento para negociar com os patrões suas condições de trabalho...

        COM A MORTE DE HERZOG

        Nem pensava em me sindicalizar quando mataram no Doi-Codi – em sessões de tortura – o jornalista da TV Cultura, Wladimir Herzog... Iria descobrir o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, então transformado numa trincheira de resistência à Ditadura pelo presidente, Audálio Dantas.

        E lá estava eu no ato ecumênico em memória de Herzog, coroado pela missa celebrada por dom Evaristo Arns na Catedral da Praça da Sé; em mais alguns dias, o Doi-Codi iria matar sob tortura, outra vez em São Paulo, o operário Manoel Fiel Filho e a mobilização da sociedade paulista, a partir da reação dos jornalistas, forçou o governo do general Ernesto Geisel a substituir o comandante  do II Exército, Ednardo D’Ávila Mello... E São Paulo foi momentaneamente pacificada...

        Descobriu-se, então, que a morte de Herzog e Fiel Filho era uma tentativa, nos porões da Ditadura, de reacender a lucrativa “indústria da repressão e da tortura”, revigorada pelo combate às organizações de esquerda que em 1975 já haviam sido desmanteladas... E o jornalista e o sindicato tiveram peso específico naquela que foi uma primeira batalha para conter os excessos do regime...

        Sindicalizei-me e paguei religiosamente as mensalidades do sindicato, mesmo depois de me transferir para o Paraná onde permaneci por 16 anos... Em Curitiba, onde vivi de 1976 a 1993, tive, digamos, uma atividade sindical esdrúxula: lá, como funcionário da Sucursal do Estadão, eu seguia a orientação do Sindicato de São Paulo, mas por solidariedade participava das movimentações realizadas pelo sindicatos locais... Era como estar entre fogo cruzado e, pelo que me recordo, nenhum sindicato, nem em São Paulo e nem no Paraná, obteve algum êxito mais substancial em campanhas salariais e outras do gênero... Dono de jornal sempre foi uma pessoa muito poderosa...

         PAREI DE PAGAR

        Não me lembro em que ano deixei de pagar o Sindicato... Sei dizer que ao retornar de Curitiba, em 1993, já havia me afastado completamente da vida sindical e voltava a desdenhar da importância do sindicato na vida profissional de um jornalista.

        De 2003 a 2005 vivi os horrores da crise que, em 2009, iria tirar de circulação o jornal Gazeta Mercantil, onde fui diretor por seis anos... Em artigo recente, conto em detalhes como foi a desastrada  tentativa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo de ajudar os funcionários da Gazeta que amargavam vários meses de total inadimplência salarial... Pode-se dizer que o Sindicato mais atrapalhou do que ajudou...

        DECEPÇÃO AINDA MAIOR

        Poucas profissões têm sofrido um impacto tão forte com as mudanças decretadas pela evolução das tecnologias de informação, quanto a do jornalista, transformado, de verdade, numa borboleta perdida na tempestade... E o Sindicato poderia neste momento ser um “think-tank”, ou seja, um centro de conhecimento e um farol a iluminar os caminhos do presente e do futuro...

        Só que não!
       
        O Sindicato que já foi de Audálio Dantas, depois de submergir nas trevas e nela permanecer por muitos anos, resolve transformar-se numa espécie de capacho do PT e do Lula!

        Isto é uma vergonha, diria Bóris Casoy, aquele mesmo jornalista que em maio de 1979 impediu que a redação da Folha de São Paulo parasse em razão de uma greve que fora decretada pela primeira influência nefasta da CUT, à qual o Sindicato está até hoje filiado...





Vladimir Herzog



04/12/2017

CHICO BUARQUE, GERALDO VANDRÉ E OS MENINOS DE CAMPINAS

        Houve uma época em que a esquerda – ela mesma, a esquerda – criticava Chico Buarque de Holanda por suas músicas “intimistas” e cheias de frases que induziam ao comodismo, ao conformismo, à inépcia...

        “O grande ato revolucionário que Chico praticou – diziam – foi colocar o povo na janela pra ver a banda passar cantando coisas de amor!”
        
        As músicas de Chico eram sempre um convite à espera, como se dissessem “ei você aí, cruze os braços, fique tranquilo que o novo dia virá ao seu encontro” e “só então você vai poder cobrar com juros tudo que lhe fizeram”.

        Reparem, por exemplo, na letra de “Apesar de Você”:

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro”

        É uma síntese de tudo o que as esquerdas deploravam em Chico Buarque... Não tenho informações, mas acho que Geraldo Vandré escreveu a sua “Pra não dizer que não falei das flores” para dar um recado a Chico Buarque: “Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”, exatamente o oposto do que Chico pregava.

        A censura amaldiçoou, mas as esquerdas aplaudiram... E transformaram a música de Vandré numa espécie de hino das oposições à Ditadura...

        SÓ A PSICANÁLISE EXPLICA

        Não sou psicanalista, mas acho que no subconsciente do compositor e do homem Chico Buarque de Holanda ficou engavetada a ideia de um estado repressor, de um estado que impõe sacrifícios à população, e de uma sociedade que precisa cobrar com juros todo o mal que este lhe fez...

        O débito é enorme, infindável e a ordem é cobrar, cobrar e cobrar, com juros, com muitos juros...

         Se não for através da Psicanálise, não conseguiremos uma resposta minimamente razoável para a liga, tenaz, indestrutível, de Chico ao PT, a Lula, Dilma, a Cuba, a Fidel Castro...É a ideologia, opina um meu amigo e eu até admito que seja sim, mas creio que exista um fator psicanalítico que vai além das ideologias...

        A incapacidade deste país em se mobilizar; em pelo menos tentar ajudar na solução de um problema é assustadora. Diante de qualquer adversidade, a prática no Brasil é cruzar os braços e esperar que o poder público, a mãe, o pai, o avô, a avó da nação, tome as devidas providências...

        Estamos divididos entre os seguidores de Chico – muitos! – e os seguidores de Vandré – poucos! Há os que cruzam os braços e esperam; e há os que arregaçam as mangas e vão à luta!

        SEGUIDORES DE VANDRÉ AO SUL

        Vamos ver primeiro do que é capaz o seguidor de Vandré, espécie de brasileiro que não fica à espera do estado-mãe, representado pela prefeitura, pelo governo estadual, governo federal ou por uma empresa estatal... Ele tem iniciativa e começa a agir sem cruzar os braços, e, tanto quanto possível, faz as coisas acontecer...

          Em Joinville, Santa Catarina, uma das cidades de forte colonização alemã, ainda existe um corpo de bombeiros formado exclusivamente por voluntários; pessoas da comunidade que recebem treinamento e são capazes de se mobilizar, a qualquer hora do dia ou da noite, para apagar um incêndio. É trabalho vo-lun-tá-ri-o! Sem nenhuma remuneração!

          Em Maringá, no Paraná, e em São José, Santa Catarina, funciona já há algum tempo o Observatório Social, pessoas da comunidade reunidas por uma Ong para fiscalizar, via licitação pública, todos os atos da prefeitura. Em ambas as cidades, a iniciativa já conseguiu conter e denunciar o desvio de milhões de reais...

          O fato dessas iniciativas terem surgido no Sul do País não será mera coincidência. O Sul do Brasil é a região que mais age sob impacto da cultura europeia e talvez por isso as comunidades consigam afastar essa malemolência típica brasileira e que partidos como o PT ajudam a aumentar e fomentar...

          A FACE BONITA DA TRAGÉDIA

        Como repórter, eu cobri e vi de perto as enchentes devastadoras ocorridas em Santa Catarina em 1975 (Tubarão), 1982 (Blumenau) e 1985 (Brusque)...Foi simplesmente fantástico ver como as comunidades dispõem de um estoque infindável de energia e solidariedade para reagir em situações de emergência...

        Em Blumenau, como exemplo, depois da grande enchente vêm as enxurradas, inundações de menor porte que castigam os bairros após qualquer chuva mais forte pois as galerias pluviais entraram em colapso...as enxurradas se repetem e se repetem e a comunidade lava e lava tudo outra vez, lava e pinta as guias de branco, uma, duas, vinte vezes se necessário for - o que a cidade não suporta é ser surpreendida cheia de lama e outras imundícies...

         SEGUIDORES DE CHICO, EM BRASÍLIA

        Já os seguidores de Chico são muito mais numerosos e influentes... Pululam no Congresso Nacional, barram toda e qualquer reforma que tente de algum modo reduzir a dependência da sociedade ao estado-mãe...No fundo, percebem que a redução da “maternidade” estatal significa perda de poder, perda da capacidade de “ajudar” a população...

        Na atitude dos seguidores de Chico está a essência do fisiologismo, do compadrio, da corrupção, a essência da péssima qualidade da política brasileira que faz dos partidos e dos sindicatos entidades parasitárias...

        Em essência, somos um país de parasitas, um país governado por parasitas que transforma o dinheiro dos impostos num grande butim...

         EXEMPLO EM CAMPINAS

         Há uma imensidão de exemplos do que são capazes os seguidores de Chico, mas eu vou ficar com apenas um, claro, insofismável, para ilustrar a índole que faz a desgraça deste país...

        É simples e singelo: a EPTV é a TV Globo da região de Campinas. E eles têm lá um ótimo jornalismo sob comando da jovem Eliane Vieitz...

        Há dias atrás, daqui de Vinhedo, onde moro, eu vejo uma das matérias do que chamam de “acompanhamento” – a reportagem vai a um bairro, identifica um problema e cria uma espécie de agenda do assunto que ficará em aberto até a solução...

        Na primeira da série, as câmeras mostraram um terreno baldio cheio de mato; o local já fora um campo de futebol, mas o esporte foi paralisado pelo crescimento do mato...

        De um lado, via-se o terreno encoberto pelo capim, de outro, via-se um bando de 10 ou 15 adolescentes, todos aparentemente saudáveis e à espera da prefeitura pra “limpar” o terreno...

        A TV intermediou a situação e um dos secretários municipais deu entrevista se comprometendo a realizar a capinação do terreno em mais alguns dias... Na segunda reportagem, os mesmos meninos aparecem alegres, felizes jogando bola no terreno já capinado pela Prefeitura...

        “Ainda falta erguer este alambrado”, exortava o repórter da EPTV, enquanto as câmeras mostravam um alambrado de arame tombado... Vão ficar à espera da Prefeitura por mais algumas semanas, de braços cruzados, para erguer o alambrado, como talvez recomendasse Chico Buarque de Holanda, caso morasse em Campinas...

        Esse é bem o retrato do Brasil!


Chico Buarque de Holanda lança a sua A Banda no festival da Record

Geraldo Vandré canta a sua "Pra não dizer que não falei das flores"










07/11/2017

Gazeta Mercantil: o voo de galinha do Investnews!

        Quando, em março de 1998, fui admitido pela Gazeta Mercantil, já acumulava 10 anos de experiência na difusão de informações pelo meio eletrônico como executivo da Agência Estado, empresa do Grupo Estado, transformada na minha época de agência de notícias a agência de informações...

        A Agência Estado (AE), sob a batuta de Rodrigo Mesquita, teve uma decolagem esplêndida! Saíra de uma receita de 500 mil reais/ano, em 1988, para chegar a uma receita superior a 100 milhões/ano, em 1998... E eu não apenas participara como presenciara a decolagem, conhecia em minúcias todos os segredos do projeto...

        Mais que isso, eu havia estado na Nikkey, em Tóquio,  e observado como os japoneses conseguiam multiplicar o uso de um mesmo conteúdo por mais de uma dezena de mídias, inclusive o serviço por via eletrônica em tempo real...entrevistei diretores de conteúdo da Nikkey e redigi um relatório que impactou as atividades da Agência Estado...

        O Globo quis emular o modelo da AE, mas se deu mal: investiu em pessoas erradas e seu projeto de difusão de informações pela via eletrônica naufragou em menos de dois anos...Não conhecia os segredos da AE!

PARECIA URUCUBACA

        Quase coincidindo com minha saída da Agência, a Gazeta Mercantil contratou um funcionário graduado da AE, Edmilson Marin, para alavancar o Investnews, o braço eletrônico da empresa... Marin foi meu funcionário na Agência, eu é que o havia promovido a gerente... Era um ótimo vendedor. Nada mais que um vendedor...
Nos sete anos em que permaneceu na AE, nunca deu sequer uma pequena contribuição de caráter estratégico...

        Com pouco mais de um ano no cargo, Marin aproveitou o encontro da diretoria da Gazeta em Uberlândia (MG) para apresentar o “novo e revolucionário” software do Investnews recém desenvolvido sob sua orientação. Atrapalhou-se no meio da demonstração e teve de suportar a interpelação devastadora do diretor comercial, Cláudio Lachini (falecido em 2015):


        - Escuta Marin, tem um manual de uso desse programa para pessoas como você?

        Ao me afastar da Agência Estado em fevereiro de 1998, havia prometido a mim mesmo que nunca mais me meteria naquele tipo de trabalho, de ajudar uma empresa jornalística a decolar em atividades que pouco tinham a ver com o jornalismo clássico, tradicional, minha paixão... Ainda assim, redigi um longo e didático texto chamando atenção para os segredos que impulsionaram fortemente a Agência Estado...

        Minha intenção era entregar o material a Luiz Fernando Levy, o controlador da Gazeta Mercantil (falecido em Florianópolis em outubro de 2017), e fazer com que ele enxergasse o quanto erráticos eram os caminhos tomados até então pelo Investnews; antes de receber o texto, pediu que eu o encaminhasse a seu sobrinho, Victor Levy, que vivia já há vários meses no exterior se preparando pra assumir o braço eletrônico da Gazeta...

        Foi o que fiz. Sei que Victor recebeu, mas creio que não teve tempo de ler: foi demitido algumas semanas depois embaixo de uma nuvem de suspeitas de que desviara recursos da empresa; nunca mais ouvimos falar dele...

        Parecia urucubaca...O Investnews continuou o seu voo de galinha... No segundo semestre de 2000, Levy conseguiu fechar a negociação de venda de parte do Investnews ao grupo Portugal Telecom e assim obteve uma injeção de capital da ordem de R$ 80 milhões, isso mesmo, 80 milhões.

        Pelo que se ouviu dizer na época, o dinheiro serviu para que Luiz Fernando Levy comprasse as ações pertencentes a seus irmãos e se posicionasse como controlador soberano da empresa. O dinheiro dos portugueses desapareceu e não serviu sequer para fazer o Investnews decolar (sei dizer que a Portugal Telecom foi muito boicotada por assessores de Levy).

DIÁLOGO COM SURDOS

        Em 2002, a crise já mostrava a sua cara aterradora. Luiz Fernando Levy batera em retirada, entregando o comando da empresa ao jovem financista Sergio Thompson Flores... Eu continuava na direção das Unidades Regionais do interior paulista, trabalhava intensamente sem receber salário e me recusava a usar a meu favor recursos da empresa arrecadados pelas três unidades que administrava...

        No comecinho do ano, sou chamado a São Paulo para uma conversa com Sergio Thompson Flores... Não fui avisado do assunto.

        Já em sua sala, descobri que ele soube que eu havia trabalhado dez anos na Agência Estado e queria conversar sobre o Investnews. Animei-me com a possibilidade de transferir conhecimento e conceitos ao Investnews e quem sabe levar o serviço a encontrar um rumo:

         Flores - O que acontece com o Investnews, hem? Por que esse serviço depois de tanto tempo não decolou?

         Eu - A marca Investnews é hoje uma marca queimada. Tentou concorrer com a Agência Estado e não conseguiu...

         Flores - Mas por que isso aconteceu ?

        Eu - No fundo, ele oferece ao mercado algo que não tem pra entregar: o chamado “hard-news”, a notícia quente do momento, que não é e nunca será a praia de seu principal provedor, o jornal Gazeta Mercantil.

        Flores - Então quer dizer que a Gazeta não tem condições de produzir “hard news”?

         Eu - Não, não tem. Nunca terá...

         Flores - Como assim? Ah, o Roberto Muller (diretor de redação) tem de participar dessa conversa (liga para Muller e o chama em sua sala).

         Flores (dirigindo-se a Muller) - A Gazeta Mercantil então não tem condições de produzir “hard news”?


         Muller (certamente enxergando em sua frente um diretor regional pretendendo assumir o comando do Investnews) - Claro que tem. A Gazeta tem condições de produzir todo o hard-news que o Investnews vier a precisar.

         A conversa implodiu. Dali em diante, Thompsom Flores e eu fomos obrigados a ouvir Roberto Muller  dissertar sobre seus “vastos conhecimentos” de serviços de difusão eletrônica e seus planos para ativar o Investnews, deixando claro, evidentemente, que para isso não precisaria de minha ajuda. E o Investnews atravessaria mais dois anos de crise representando apenas  um centro de custos — e custos elevados — para uma empresa em agonia.

        Para alavancar o Investnews, ao invés de aproveitar as informações que eram captadas para produção do jornal Gazeta Mercantil – o que eu proporia, se me ouvissem - a dupla Roberto Muller - Mathias Molina (responsável pela redação) investiu preciosos recursos na montagem de uma estrutura específica e paralela, diziam eles que “especializada” na produção de hard-news (Um dos segredos da AE era justamente o de realizar um segundo aproveitamento dos conteúdos que já eram produzidos para os jornais da casa –  Estadão e Jornal da Tarde).

        Chefiava a estrutura a esposa de Mathias Molina, Cinthia Malta. Convivi com ela o suficiente pra perceber que  não tinha a menor noção do que fosse um serviço de difusão de informações pela via eletrônica.

UM SERVIÇO DE FEATURES

        No texto que enviei a Victor Levy, sugeria que a Gazeta esquecesse o hard-news e competisse naquilo que ela mais sabia fazer:  features de economia e análise setorial (ver ao final deste texto o significado do termo feature*)... O fracasso da Gazeta Mercantil é também um belo exemplo a demonstrar o quanto as lideranças personalistas podem contribuir com o naufrágio de um bom empreendimento...

        Eu tinha certeza de que o dinheiro que a Gazeta Mercantil precisava para superar a crise e se reequilibrar poderia vir do Investnews se soubesse aproveitar alguns dos segredos da Agência Estado que eu poderia revelar, gratuita e desinteressadamente... Desde que pagos pela mídia impressa, os custos dos serviços de difusão de informações pela via eletrônica são baixíssimos e as receitas não decaem com as crises... diria que elas até aumentam porque todos os usuários vão precisar de mais informações pra se defender dos males da crise... Outra vantagem é que a inadimplência é sempre próxima de zero – se não pagar a fatura do mês, o usuário fica sem informação...

        E a Gazeta Mercantil, por sua tradição e credibilidade na produção de features de economia e negócios, tinha plenas condições de decolar rápido e ocupar, em no máximo dois anos, um segundo lugar na condição de provider do mercado financeiro e empresarial...

        *FEATURES - Gênero jornalístico que vai além do caráter factual e imediato da notícia, opondo-se a "hard news", que é o relato objetivo de fatos relevantes para a vida política, econômica e cotidiana (Folha On-Line).

(No próximo capítulo da série sobre Luiz Fernando Levy, falarei da inefável gestão Nelson Tanure e do declínio dos Fóruns de Líderes)





Paula Gertrudes, Luiz Fernando Levy, Cláudio Lachini... 

Cláudio Lachini e Levy na época em que eram amigos...
O inesquecível Cláudio Lachini e Paula Gertrudes, espécie de chefe do cerimonial da Gazeta Mercantil, cuja beleza e simpatia a fizeram amada por toda a comunidade "gazetiana"...






27/10/2017

Luiz Fernando Levy, ideias coerentes, práticas deletérias!

        Pode ser que tenha existido outro homem que conhecesse o Brasil tanto quanto ele; mais que ele, nem o presidente da República!

        Por várias vezes, ministros do governo FHC corrigiram seus dados, de obras, de investimento, de trabalhadores envolvidos, pelo levantamento realizado por Luiz Fernando Levy, falecido em Florianópolis neste outubro de 2017, controlador daquele que chegou a ser o maior jornal de economia e negócios da América Latina, a Gazeta Mercantil...

        Era o fim dos anos 1990 e o Brasil fervia, com a inflação controlada pelo Plano Real (1994) e sob a batuta do governo de FHC (1995 a 2003)! Parecia não haver uma só fábrica, uma só empresa, que não estivesse em ritmo de expansão.

        Pela unidade de Campinas, no interior de São Paulo, lançávamos mais um jornal regional, o Planalto Paulista... sua primeira edição, de quase 60 páginas, trazia um levantamento pormenorizado da explosão de novas unidades industriais que chegavam de toda parte, do Brasil e do mundo...

        Num procedimento transformado em rotina, um corretor imobiliário de Campinas foi ao aeroporto de Viracopos apanhar um investidor francês para ver terrenos para implantação de uma indústria de grande porte... O cliente desembarcou do avião com o celular no ouvido, viu um terreno, viu dois, viu três sem tirar o celular do ouvido... irritado, o corretor arrancou-lhe o aparelho das mãos e o atirou nas pistas da rodovia dos Bandeirantes... Quase provocou um incidente diplomático!

LEVY NADOU NESSA ONDA

        Luiz Fernando Levy nadou de braçadas nessa onda de prosperidade fazendo as duas coisas que mais gostava: viajar e comer bem (era um gourmet e tanto!). Incansável! Tinha grande sintonia com os empresários que o convidavam para conhecer projetos, obras de expansão, obras de infraestrutura...

        Viajava, conhecia detalhes de obras e depositava tudo num banco de dados que engordava bastante a cada mês, a cada semestre... Os dados serviam para preencher o mapa que ele usava em suas palestras. Suas palestras eram – digamos – altamente motivacionais: falavam de um Brasil muito pouco conhecido, o Brasil da prosperidade, o Brasil que conseguira, finalmente, manter a inflação em um dígito, o Brasil que demonstrava ter acordado da histórica letargia!

        Roberto Baraldi, meu contemporâneo na diretoria de unidade regional da Gazeta Mercantil (enquanto eu cuidava do interior paulista ele cuidava de Minas Gerais, depois de passar vários anos no comando da redação da Gazeta Latino-Americana) costuma dizer que LuIz Fernando Levy era um visionário que sentia que o Brasil tinha potencial para crescer aceleradamente, multiplicando a renda per capita e ganhando um novo papel estratégico no cenário mundial...

        “Ele – continua Baraldi – queria ver este Brasil de perto, de dentro, e queria que os jornalistas que o acompanhavam em seu projeto fossem juntos”.

        “Promovia – persistiu Baraldi  regularmente rodízios de jornalistas residentes entre as várias regiões do Brasil de modo que um profissional da redação tivesse contato com muitas realidades brasileiras, desenvolvendo uma visão nacional ampliada e mais elaborada. Além disto, Levy organizava reuniões regionais de toda a diretoria e comando da redação nos mais distintos pontos do Brasil, das Missões, no Rio Grande do Sul, ao Cariri, no Semiárido; da Amazônia a Ouro Preto, para difundir o que chamava de Novo Brasil, um país potencialmente rico e mais justo que estava em gestação. Seus argumentos eram concretos”.

        Baraldi continuou: “Ele organizava inventários bem fundamentados de investimentos em curso por todo o país. Muito antes da era Lula e do PAC, ele já listava todas as obras em planejamento e execução e antevia que este esforço de desenvolvimento da infraestrutura teria o poder de mudar a cara do Brasil, fazendo uma revolução logística e uma descentralização do crescimento econômico”.

        Eu convivi com Levy, antes da crise, menos tempo do que Roberto Baraldi... Ainda assim, foi possível enxergar muita coerência no plano que ele concebia para seu jornal...o problema, como já disse em artigos anteriores, foi a prática deletéria que uniu grande irresponsabilidade à falta de caráter...

        Numa das viagens que a empresa organizava, por exigência de seu controlador, a lugares incomuns, há um episódio que ilustra bem o jeito nada correto de Levy tocar o projeto de expansão do jornal. As lideranças da Gazeta – diretores, comando das redações e redatores, cerca de 80 pessoas – estavam hospedadas no Hotel Nacional, em Manaus. Era noite. No anfiteatro do hotel, havíamos assistido a  um concerto da Orquestra Filarmônica de Manaus, regida pelo fabuloso Júlio Medaglia...

        Logo após o jantar, fomos convidados a sair para o espaço que circundava a piscina, a céu aberto... era para presenciar a uma queima de fogos de artifício em homenagem à Gazeta Mercantil...

        Num prenúncio da grande crise, o 13º de todos ali já acumulava dois meses de atraso... durante o foguetório, o irônico Philip Balbi, diretor da Publicidade Legal, apontava o dedo para o alto e gritava: “Seu décimo terceiro acaba de explodir, puuuum!” E repetiu isso várias vezes...

        Os maus presságios me fizeram dormir inquieto aquela noite, embora já soubesse que no dia seguinte navegaríamos pelos rios amazônicos e conheceríamos o exótico hotel Ariaú, com direito a pernoite...Aquela e várias outras viagens foram das poucas coisas boas que a Gazeta Mercantil me proporcionou...

AVENTURAS EXTERNAS

        Roberto Baraldi e Bia Toledo ocuparam cargos de comando no projeto da Gazeta Latino-Americana, outra proposta extremante ousada de Levy, que naufragou pouco antes do jornal-mãe... Ambos me escreveram contando fragmentos da experiência:

Roberto Baraldi:

        “A visão de mundo de Luiz Fernando Levy era muito afinada com a de Fernando Henrique Cardoso e ambos imaginavam que o Brasil poderia ter mais e melhor inserção na América Latina. Ambos impulsionaram o Mercosul, inspirando-se no exemplo de integração europeia.

        O  Novo Brasil  sonhado por Levy seria o eixo estruturante do novo bloco econômico. Levy queria criar o jornal que ajudasse a integração.

        Em 1996, concebeu a Gazeta Mercantil Latino-Americana, semanário bilíngue que tinha duas sedes: em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, onde ocupava um andar do Teleporto.

         O jornal fez acordos editoriais na Argentina, Paraguai e Uruguai, e circulava semanalmente em espanhol nestes países. Ele corria a região pregando pressa na formação do bloco. Imaginava que já àquela altura  estávamos maduros para a adoção de uma moeda única.

        Mas Luiz Fernando Levy achava que o Mercosul era pouco. Ele imaginava um bloco maior, que tomasse toda a América do Sul. Deu-lhe até um nome: Amercosul.

E abrimos conversações com parceiros e jornais do Chile, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia. Em sua visão, este bloco tinha que se relacionar ativamente com os Estados Unidos, principalmente a partir da porta de entrada representada por Miami/Flórida, e com a União Europeia, a partir de Portugal e Espanha.

        Fizemos acordos editoriais e a Gazeta Mercantil Latino-Americana passou a circular em Portugal e em Miami, em associação com importantes jornais locais.

        Ocorre, porém, que o Novo Brasil era uma visão que não tomou corpo. Muitas obras vitais não foram executadas ou concluídas. Muito esforço de planejamento emperrou em baixa capacidade de gestão.

        O país rico e eficiente ainda não se levantou do berço como se esperava. O Mercosul e a federação sul-americana também não amadureceram como poderiam. Nosso lugar no cenário mundial continua a ser tímido.
       
        Mas Luiz Fernando achava que o encontro do Brasil com seu destino glorioso era uma questão de tempo. Ele vinha trabalhando para trazer a Gazeta Mercantil à luz novamente, apostando que ainda havia espaço para o que o jornal representava em termos de visão de desenvolvimento e valorização da informação como ferramenta estratégica.

        Se o conheci bem, buscou formas de colocar o sonho em pé até o último segundo de consciência de sua vida".


Bia Toledo:

         "Luiz Fernando Levy sonhava em ter a sua Gazeta Mercantil fortíssima até na Península Ibérica... Chegou a nomear um diretor por lá, o Rodrigo Mesquita... A dívida da Gazeta fora do Brasil também cresceu assustadoramente... ficou devendo tanto na Argentina que a previdência social desse país estava atrás dele.
       
        Ele havia criado um Fórum de Líderes Empresariais da América Latina, emulando os fóruns brasileiros... Participei de vários eventos dos líderes do Mercosul.

        No Uruguai, a abertura do Fórum foi feita pelo Júlio Sanguinetti, na época presidente do pais. No Paraguai, a mesma coisa. Na abertura do Fórum da Argentina, estavam também presentes os maiores empresários do Brasil e da Argentina.

        Editamos várias revistas de sucesso, emulando também as publicações brasileiras. A primeira “1.000 Maiores Empresas Latino-Americanas” foi um tremendo sucesso comercial; faturou já na primeira edição quase a mesma coisa da tradicional Balanço Anual, editada no Brasil....

        Uma pena que tudo tenha naufragado!"

(No próximo e último artigo da série sobre Luiz Fernando Levy, falarei do eterno voo da galinha do Inwestnews, da gestão excrescente de Nelson Tanure e do lamurioso fim dos Fóruns empresariais da Gazeta Mercantil)
Luiz Fernando Levy

Roberto Baraldi

Bia Toledo

19/10/2017

Luiz Fernando Levy: voos altíssimos, sem asas!

        Quando assumi a direção da unidade da Gazeta Mercantil na região de Campinas (SP), em abril de 1998, eu já conhecia razoavelmente bem as operações do jornal por observar, de perto, o trabalho de dois diretores regionais – Valério Fabris e Cláudio Lachini – visto como exemplo na organização.

        Fui chefe da sucursal de Curitiba dos jornais Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde por 16 anos (de 1976 a 1991) e foi ali que eu me tornei amigo e admirador de ambos. Com Valério, aprendi a força que o relacionamento com empresários pode ter na vida de um jornal de economia e negócios. Valério Fabris passara oito anos na condição de correspondente da Gazeta Mercantil no Paraná. 

        Quando deixou Curitiba para assumir postos de maior importância na empresa, quase mil empresários de todos os calibres compareceram à festa de despedida! Quem lá esteve, como eu, ficou de queixo caído em observar o prestígio do jornalista junto ao público-alvo da Gazeta Mercantil.

        Com Cláudio Lachini (sua morte em 2015 me deixou desolado), aprendi muito sobre criatividade, inovação e espírito empreendedor... Ele fora mandado a Curitiba no começo dos anos 1980 para implantar a Unidade de Negócios do Paraná. Inventou uma espécie de “unidade itinerante” da Gazeta Mercantil pelo Estado e tornou o jornal presente e forte em todos os mercados dinâmicos do interior, de Apucarana a Londrina, de Maringá a Campo Mourão, de Cascavel a Foz do Iguaçu... Suas marcas de receita e prestígio nunca foram superadas.

REENCONTRO EM SÃO PAULO

        Em 1988, eu também retornava a São Paulo, a convite de Rodrigo Mesquita, para integrar o time de jornalistas que iria transformar a AE - Agência Estado (grupo Estado) de agência de notícias em agência de informações. Fui responsável então pela implantação de uma nova rede de sucursais da AE em todo o Brasil.

        Já tentara emular o modelo operacional da Gazeta Mercantil: um jornalista nomeado como espécie de Publisher, responsabilizando-se por todas as operações da empresa regionalmente. Era uma ótima fórmula, nunca tive qualquer dúvida...

        Reencontrei-me com Cláudio Lachini em São Paulo, eu como diretor comercial da AE e ele como diretor comercial da Gazeta Mercantil. Foi ele que me convidou a assumir a unidade de Campinas...

        Cláudio Lachini passou-me as instruções e junto com elas veio uma descrição sumária do que era o plano estratégico em andamento:

        - Com as unidades regionais, pretendemos realizar uma ocupação horizontal do país e seus principais mercados. Prepare-se para lançar logo mais o jornal regional de Campinas. Ele será o instrumento pelo qual a Gazeta Mercantil fará a sua inserção vertical, nos mercados regionais e na comunidade.

        Antes de tomar posse em Campinas, tive meu primeiro contato com Luiz Fernando Levy, o comandante. Foi um encontro rápido e frio. Aprofundou um pouco a orientação que me havia sido passada por Lachini e acrescentou:

        - Os assuntos relacionados ao institucional da Gazeta, você trata diretamente comigo. Pode me ligar quando tiver necessidade. 

        Em Campinas, saí a campo, já vestido com a camisa do Publisher.  Visitei empresários, executivos das grandes corporações, lideranças empresariais, políticas e sociais. Apresentava-me, falava do plano estratégico da empresa e deixava implícito que iríamos interagir dali em diante com intensidade. “Enxerguem na Gazeta uma ferramenta de ajuda na solução dos problemas que afligem o setor empresarial na região”, concluía assim as inúmeras reuniões. 

        Marcava eventualmente encontros de grupos de empresários ou visitas às empresas com a presença de Levy, que se mostrava sempre disposto a ajudar o seu time de diretores regionais, chamados de senadores internamente, não se sabe se por ironia ou respeito.

FRUTOS SURGIRAM EM POUCO TEMPO
  
        O trabalho frutificou. As pessoas estavam ansiosas por interagir com a Gazeta. Comecei a receber telefonemas, um deles, aliás, bastante curioso:

        - Você não sabe a alegria que eu tenho em ouvir a sua voz e descobrir que você está vivo. Liguei na certeza de que receberia a informação de que você havia morrido ontem, disse-me o então secretário do desenvolvimento da Prefeitura de Campinas, Manoel Carlos dos Santos. 

        Recorri rápido ao jornal da cidade e fui direto à coluna necrológica: no dia anterior havia morrido, em Campinas, um contador de nome Dirceu Pio. Alguém abrindo a vaga pra mim, imaginei.

        Lembrei-me também, nessa época, de uma das histórias contadas por Valério Fabris. Ao desembarcar em Florianópolis para assumir, no final dos anos oitenta, a unidade regional de Santa Catarina, Valério recebe um telefonema do então governador do estado, Espiridião Amin, que lhe dava as boas vindas. Marcaram um almoço para se conhecer pessoalmente já no dia seguinte. Valério, detalhista, disse ao governador:

        - Irei vestido com terno azul e gravata vinho. E o senhor?

        - Valério, eu não costumo usar peruca, replicou Espiridião Amin, o dono da calvície mais radical entre os políticos brasileiros.

        Formei a equipe – Ana Carolina Silveira, Ana Heloísa Ferrero, Agnaldo Brito, Maria Finetto, Angela Gusikuda, Cacalo Fernandes – cuidando da redação e Alberto Luiz Ferreira e Alexandre Catani cuidando das vendas de publicidade e de assinaturas – e intensifiquei contatos com empresários.

        Em menos de seis meses, começávamos a colher resultados: o gráfico das receitas iniciaria um longo e pronunciado curso de altas mensais e sucessivas...

        Aquilo que a Gazeta definira por Região de Campinas era bem amplo: incluía os municípios de Sorocaba, Jundiaí, Piracicaba, Americana, Limeira e dezenas de outras cidades menores, que no conjunto formavam uma megalópoles com mais de 4 milhões de habitantes – e era o segundo polo brasileiro em produção industrial, perdendo apenas para a Grande São Paulo...

        Haja pernas e disposição para fincar a bandeira da Gazeta em toda parte!

E SURGE O PLANALTO PAULISTA

        Em menos de um ano, lançávamos o jornal regional de Campinas. Chamava-se Planalto Paulista. Eram na verdade de seis a oito folhas encartadas de segunda a sexta-feira no jornal-mãe com circulação restrita nos municípios da região...

        A ideia era simplesmente sensacional e nunca entendi porque, mesmo após o desaparecimento da Gazeta, nenhum outro jornal a tenha copiado!  

        Em praticamente todas as visitas que eu fazia – e eram muitas! – encontrava sobre a mesa das principais lideranças empresariais exemplares do jornal regional rabiscados ou recortados em sinais evidentes de que era uma mídia útil e necessária... Foi possível perceber a importância da cobertura sistêmica de economia e negócios regional! 

        Em menos de um ano de circulação, os jornalistas a serviço do regional eram identificados em coletivas como repórteres do Planalto Paulista, quer dizer, o filhote  tomando o lugar da mãe...

IDENTIFICAR PROBLEMAS 

        Meu passo seguinte foi identificar os mais graves problemas regionais e examinar como a Gazeta poderia contribuir com a solução! Não demorei a trombar com o problema da água: a natureza e as circunstâncias não foram nada generosas com a região de Campinas...

        Começa que o sistema Cantareira, feito pra abastecer a Grande S. Paulo, rouba, lá na cabeceira, boa parte das águas dos rios (Jundiaí, Capivari-Cachoeira, Atibaia, Piracicaba) que passam pela região. Já descem mambembes e pelo caminho eram drasticamente detonados pelo lançamento de esgotos urbanos e industriais...

        Não bastasse essa dupla tragédia, havia o grave problema geológico: uma faixa enorme do território de Campinas e vários municípios vizinhos (Vinhedo, Valinhos, Paulínia, Jaguariuna) é revestida por um maciço granítico de tal espessura que torna impraticável a abertura de poços artesianos.

        A situação era dramática, mas os usuários, sobretudo a indústria, não eram suficientemente informados do cenário ameaçador!

        Foi fácil escrever o Projeto Água, executado com brilhantismo e entusiasmo pela equipe da Unidade!

        A estrutura do Projeto obedeceu a uma agenda muito bem calculada: começou com a edição de seis cadernos temáticos encartados no Planalto Paulista e terminou com um seminário que reuniu mais de mil pessoas no auditório do CIESP, em Campinas, para discutir a cobrança pelo uso da água.

        Num primeiro resultado do projeto, conseguimos alterar substancialmente a composição da estrutura dos organismos gestores da água doce no estado de São Paulo, com redução da participação do governo estadual e aumento da participação das comunidades. 

        “Água para todos, todos pela água”, rezava o cartaz, no formato de um pôster, que servia para difundir os objetivos do programa ... Nem nós que o idealizamos e o executamos conseguimos prever tanta repercussão – o Projeto Água conquistou vários prêmios regionais e chegou à finalíssima do Prêmio Esso. 

        O cartaz foi emoldurado e colocado nas paredes de um número incontável de empresas, Ongs e Prefeituras. Foi no comecinho do novo século...

NÚMERO DE ASSINANTES DISPAROU

        Recebeu ampla adesão de anunciantes; produziu, como já disse, transformações básicas na estrutura de gestão das águas em SP; impactou inúmeras indústrias regionais só então alertadas para a escassez da água regional. Pode-se dizer, com segurança, que foi o Projeto Água que intensificou a racionalização do uso da água pela indústria paulista.
       
        Lembro-me que um dos artigos publicados nos cadernos temáticos mostrava que, na França, o valor da tarifa pelo uso da água subia ou descia de acordo com os índices de poluição dos mananciais, num mecanismo extraordinário para incentivar a conservação por usuários e municípios... 

        Outro artigo apontava para os riscos da paralisia quando os governos açambarcam e tutelam os organismos de gestão: em nenhum dos países onde isso ocorreu houve avanço mais significativo na proteção de mananciais...

        Outro resultado fantástico do projeto foi o modo como ele incentivou a leitura do jornal-mãe, tanto que as assinaturas da Gazeta Mercantil na região de Campinas, até então estacionadas na casa das quatro mil, disparou impetuosamente para encostar na marca de 20 mil, simplesmente um arrojo para um jornal segmentado... Muito mais gente quis acompanhar os conteúdos do Projeto Água e para isso era convencida a assinar a Gazeta Mercantil...

MAIS E MAIS PROJETOS      

        Na sequência do Projeto Água, veio o Projeto Ambiental e na sequência deste veio o Projeto Socioambiental, este com duas novidades: a instituição de um Prêmio a empresas, prefeituras, ONGS, propriedades rurais que nos apresentassem os melhores programas socioambientais e estadualização das atividades (Por determinação de Luiz Fernando Levy eu havia assumido a direção de duas outras unidades, a do Vale do Paraíba e a de Ribeirão Preto, o que permitiu ampliar a área de alcance dos projetos para quase todo o Estado de São Paulo).

        Para quem estava de fora, foi bonito de ver: informadas de que ganharam um dos prêmios, prefeituras e empresas de cidades longínquas como Rio Claro, Penápolis, Caçapava e Jacareí formaram caravanas de ônibus e carros para vir a Jaguariúna, na Red Eventos, participar de um seminário e assistir à solenidade de entrega dos Prêmios – troféus confeccionados por crianças carentes de uma instituição de Campo Limpo Paulista, mais diplomas e cartelas de selos de qualidade socioambiental que as empresas poderiam colar em seus produtos...

        Ao derrubar as torres gêmeas de Nova Yorque, em 11 de setembro de 2001, Bin Laden certamente não poderia imaginar que estaria matando também o maior jornal de economia e negócios da América Latina...
        Ao concluir o Projeto Socioambiental, eu já sabia tudo o que estava na iminência de acontecer... depois dos atentados, a Gazeta iria amargar meses sem a entrada de um só anúncio pago e os funcionários iriam suportar meses de inadimplência salarial...

A FESTA ACABOU

        Quanto realizamos a festa de encerramento do Projeto Socioambiental – nada menos de 2.500 pessoas em grande animação na Red Eventos com direito a jantar, tudo pago pela CPFL, patrocinadora máster  -  já sabíamos que as unidades do interior paulista seriam fechadas...

        Luiz Fernando Levy, acovardado, já batera em retirada, entregando o comando da empresa para o inepto Sergio Thompson Flores... Meu amigo Cláudio Lachini é que esteve em Jaguariúna e deve ter percebido todo o meu desencanto...

        Lembrava-me dos meus tempos de Agência Estado... Monitorávamos a Gazeta Mercantil por saber que ela, com seus conteúdos especializados, seria um concorrente respeitável se entrasse na difusão de informações pela via eletrônica...

        Olhávamos com desconfiança para o barulho provocado pela implantação do plano estratégico de Levy em ritmo acelerado... Sabíamos que a Gazeta era uma empresa em crise... Há tempos não recolhia o FGTS de seus funcionários e não honrava nenhum dos contratos que assinara com as instituições que a socorrera... De onde será que vem o dinheiro pra tanta expansão? – nos perguntávamos.

        Até que um dia dois diretores da AE – Sandro Vaia e Eloi Gertel – conseguiram marcar um almoço com um consultor empresarial que – sabíamos – conhecia a fundo as movimentações da Gazeta... limitou-se a contar aos perplexos Sandro e Eloi a seguinte anedota:

        - Sentado ao lado de um papagaio, um executivo fazia um voo internacional de longa distância...depois de iniciado o serviço de bordo, ambos fizeram pedidos à aeromoça, que passava pra lá e pra cá sem atendê-los... Em menos de dois minutos de espera, o papagaio já a destratava, xingando-a de tudo quanto é nome... Já o executivo suportou calado a espera de quase uma hora até que, enfim, ensandecido, resolveu imitar o papagaio e também xingou a moça de prostituta pra cima... deu azar, o comandante viu tudo, pegou os dois – papagaio e executivo – e atirou pela janela do avião... O executivo despencando em alta velocidade vê o papagaio, alegrinho, formoso, batendo as asinhas, aproximar-se dele pra dizer: - Pra quem não tem asa, você tem uma coragem que é um espanto!

        Foi a melhor definição do Luiz Fernando Levy que já ouvi: um executivo sem asas, mas com uma coragem assombrosa!

        (No próximo capítulo da série você vai ler tudo sobre o Investnews, o serviço eletrônico da Gazeta Mercantil, e a ideia extravagante de Luiz Fernando Levy de criar o Amercosul)