19/08/2015

Tocadores do Lucy Montoro (II)

        Logo na minha primeira internação no Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, há quase dois anos, aprendi que não devemos confundir fisioterapeutas com terapeutas ocupacionais, embora sejam, ambos, profissionais especializados  em reabilitação. No meu caso, os fisioterapeutas trabalham mais as pernas e os terapeutas ocupacionais, mãos e braços.
        O primeiro andar do subsolo – no elevador, o famoso “menos um” – é ocupado por ambas as especialidades em salas separadas. No Lucy, não é nada incomum pacientes chegarem ali em cadeira de rodas e saírem sem ela, muitas vezes dando passos lentos mas já dispensando ajuda de equipamentos de apoio – andadores, bengalas ou muletas.
        O paciente precisa estar pronto (músculos que já superaram a inércia da paralisia e readquiriram força necessária para a marcha) para começar a andar. Eu mesmo, que já tenho dois anos de cadeira de rodas, não estou pronto. Ao passar por avaliação pelos fisioterapeutas, identificaram fraqueza dos músculos da bacia de modo que ainda tenho mais três meses de exercícios intensivos para retornar para uma quarta internação.
        Fisioterapia, eu escrevi em crônica neste blog, é uma técnica muito dolorida com objetivo de levar uma pessoa a ficar o mais parecida possível com aquilo que ela já foi. Não há problema, suportarei tudo estoicamente. A dor passou a fazer parte da minha vida nesta nova fase, de todo inesperada.
        Fiquei pouco tempo no Lucy; desta vez, três semanas. Ainda assim eu e a mulher, Susana, minha cuidadora, aprendemos muito. Ali, as lições de vida estão no ar que respiramos.
        Minhas duas fisioterapeutas – Tatiana e Daiana – são exemplares; Logo pela manhã, depois de tomar café no quarto, eu já sabia que descendo pelo elevador seis andares teria um encontro com a baixinha de olhos azuis e sorriso encantador – Tatiana, casada, mãe de um filhinho de três anos, Pedro, muito lindo (ela mostrou-me a foto pelo celular). Fiz-lhe certa vez uma pergunta específica sobre o estágio da minha recuperação e a resposta foi um “banho” de conhecimento da anatomia humana, coisa de profissional  competente que nos deixou – eu e Susana – maravilhados. No intervalo da terapia, brinquei:
        - Tatiana, você chama seu filho de Pedrinho?
        E ela de maneira enérgica:
        - Não! Chamo de Pedro, apenas Pedro.
        Eu insisti:
        - Bom, não tem problema. É porque eu gostaria de ser adotado por você e acho que a incentivaria a chamar-me de Pedrão. Então você teria o Pedrinho e o Pedrão! O que acha?
        Ela riu e a resposta foi desalentadora:
        - Sem condições, eu quase não tenho tempo de cuidar de um, imagine de dois!
        Ela me tratou com objetividade e energia, sem nunca perder a ternura. Soube por suas colegas que ela é muito rigorosa. Eu, de brincadeira, vivia lhe pedindo:
        - Fala pro seu marido me ligar. Quero que ele me dê umas dicas de como lidar com você. Ouvi dizer que você é muito brava, uma verdadeira caninana!
        Ela ria e balançava a cabeça como a querer sugerir que eu não deveria acreditar nessas aleivosias.
        Já Daiana, que me atendia à tarde, é pouco mais descontraída. Sua marca é ouvir seus pacientes com desdobrada atenção. Também fala com propriedade da anatomia humana e demonstra conhecimento profundo de tudo aquilo que faz. Seus exercícios me fizeram descobrir que a dor do alongamento das pernas passa com a persistência.
        Em frente ao salão da fisioterapia fica a famosa sala 15, por onde todos devem passar pelo “condicionamento físico’’. Ali, como costumam dizer os pacientes do Lucy, “o bicho pega”. É o setor mais rigoroso da fisioterapia: pedalar na bicicleta ergométrica por 20 minutos significa pedalar por 20 minutos, não há descanso. Isto tudo seria insuportável para mim, que sempre odiei  exercícios, não fosse o bom humor de Tom, um rapaz simpático, que comanda a atividade de muitos pacientes, inclusive as minhas, na maioria das vezes.
        - 20 minutos sem descanso, vai nessa seu Dirceu, que faz bem- ele diz cheio de sorrisos.
        Seu auxiliar, Jean, rivaliza com ele em simpatia e afeto. A físio tem bicicletas de acentos almofadados e confortáveis; as bicicletas do condicionamento têm o acento duro, bem desconfortável. Aproveito um momento que Tom está próximo de Jean e largo a piada: as bicicletas da físio foram feitas por Deus e estas daqui pelo demônio. Ambos riem sorrisos que exalam simpatia.

         Tom e Jean são negros, demonstração viva do ecletismo racial do Lucy.



(Rede Lucy Montoro é pioneira em uso de robôs na reabilitação) 

6 comentários:

  1. Meu sonho é frequentar, me internar na unidade Lucy Montoro por no mínimo 1 mês.
    Não sei qual procedimento tomar pois moro muito longe e não tenho acompanhante pra ficar comigo não sei se podemos ficar sozinhos pois sou cadeirante semi independente, não sou LM e tenho doença neuromuscular degenerativa, a Paraparesia Espástica Familiar. Alguém de vcs conhece ou tem essa patologia?
    Parabéns a essa equipe maravilhosa!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Meu caro, só agora, relendo textos anteriores, li sua mensagem. Peço-lhe passar-me seu e.mail para nos comunicarmos. Tenho várias dicas para lhe passar.

      Excluir
  2. Oie muito obrigada pelas palavras ! Me sinto lisonjeada 😊! Muito obrigada pela confiança no meu trabalho ! Bjos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. foram palavras escritas com verdade e alma. minha doce fisioterapeuta...beijo

      Excluir