14/08/2015

Tocadores do Lucy Montoro (I)

        Nem me lembro mais do nome da enfermeira que fez o primeiro atendimento no meu quarto; sei que era baixinha e simpática. Foi na minha primeira internação, há 18 meses. Ao me transferir da cadeira para a cama, escapei e quase fui ao chão; em pânico, deu um jeito de enfiar-se embaixo de mim para amortecer ou evitar a queda. “Já pensou se o senhor cai? Deus me livre!” – comentou, ainda desconcertada.
        Eu, para aliviar a situação, respondi:

        - Não se preocupe, eu gostei, foi a queda mais macia que já sofri na vida ! Vou até sugerir ao Lucy instituir uma nova terapia com o título de “queda sobre a enfermeira”.

        Foi difícil, mas consegui arrancar dela um primeiro sorriso, o que a tornou ainda mais cativante.
        Nos andares de internação, não são muito raras as quedas de pacientes; ao serem internados, todos ganham uma pulseirinha de um tipo de cor de acordo com o risco de queda (nesta terceira internação, ainda não consegui livrar-me da pulseira vermelha, que indica “alto risco”). Ficou para a próxima ou quem sabe para o finalzinho desta, se tudo correr bem.  Outra medida, diria que disciplinar, é a proibição aos portadores da pulseirinha vermelha  e cuidadores de fazerem, nos primeiros dias da internação, qualquer tipo de transferência sem a presença de um enfermeiro ou enfermeira como observador. A liberação só ocorre após dois ou três dias de observação e após o aval do fisiatra do andar.
        Rosa, Sebastiana, Antônia, Raquel, Ana, Elisângela, Fernanda, Tiago, Gilmar, Lilian, Tatiana, entre tantos outros – o Lucy tem um quadro de enfermeiros, enfermeiras, oficiais administrativos, exemplar. Não importa o horário do dia, da noite ou da madrugada – todos parecem trabalhar com alegria e elevado senso profissional.
        Vejam o caso de Rosa, enfermeira; suas lembranças me perseguem no antes e após o Lucy Montoro. Em casa, ouço sua voz – forte e ao mesmo tempo suave- sempre que vou tomar algum remédio: “Toma muita água, seu Dirceu!“ Graças a ela creio que dupliquei a ingestão de água nos últimos meses e meu organismo parece agradecido. Eu a conheci na segunda internação e confesso que estava ansioso por revê-la nesta. Por sorte, ela atende o sexto andar onde me encontro.
        Outra voz inconfundível é a de Sebastiana, que me acorda às 5h, 30 da manhã com o seu delicioso sotaque mineiro e apreciável bom-humor. “Sei que aqui não pode entrar criança – ela diz – mas eu não vou deixar minha filhinha com ninguém; onde eu vou, ela vem junto”. Ainda sonolento, custei a entender. Ela se referia à menina que está em sua barriga. Sebastiana entrou em julho de 2015 no oitavo mês de gravidez. Daqui mais trinta e poucos dias virá ao mundo sua filhinha, que irá se chamar Yasmin.
        A cada internação, a enfermagem parece melhor, mais comunicativa, mais preparada; nunca fui de acordar muito cedo, mas Elisângela me tira elogios rasgados à elegância e simpatia; sempre de cabelo-loiro bem alinhado, sempre maquiada com sobriedade, até o uniforme lhe cai muito bem. “Como você consegue surgir no meu quarto assim tão elegante às cinco horas da manhã?”- sua resposta é apenas um sorriso que irradia simpatia e beleza.
        Já a conversa com Antônia é sempre uma imersão na cultura do nordeste. Ela é cearense e gosta de falar dos momentos vividos em sua terra-natal. Cita expressões regionais e sabe dizer dos usos e costumes do Ceará. E fala num sotaque suave e gostoso. Lilian, oficial administrativo, fica sempre de cabeça baixa atrás do balcão de enfermagem, espécie de recepção dos andares da internação, ligada na tela do computador. Uma vez surpreendi-a contando a uma amiga, ainda indignada, a história do idoso que a ofendeu no ônibus que a traz todos os dias ao trabalho. Eu a via sempre que passava em frente ao balcão indo ou vindo das sessões de terapia. Brincava com ela – “E o idoso mexeu com você hoje?”. Ela ri um riso gostoso. Foi ela que me surpreendeu contando a uma enfermeira que iria escrever uma crônica em homenagem ao corpo de enfermagem do Lucy.
        - Não se esqueça de mim e do meu idoso nessa sua crônica, hem seu Dirceu? – ela me exortou com simpatia. 
        Lilian trabalha ao lado de Fernanda, outra enfermeira nota dez. Já havia pedido a vários enfermeiros para Ligar para a Net – operadora do sinal de TV do setor de internação – para solicitar a retirada de um selo promocional que atrapalhava muito a visão das imagens; nenhum deles obteve resultado e o selo continuava lá. Foi quando repeti o pedido a Fernanda, que se comprometeu a voltar a falar com a Net. Foi o tempo de retornar ao quarto e ligar a TV: o selo já havia sido retirado.
        Os exemplos de eficácia de enfermeiros, enfermeiras, oficiais administrativos se repetem “ad infinitum”. Como no caso de Gilmar, enfermeiro. Um dia fomos convocados, pacientes e cuidadores, para participar de uma palestra no primeiro andar. Para mim o tema era bem pouco atrativo: doenças sexualmente transmissíveis, AIDS, Herpes, Sífilis, etc. Ao longo da minha carreira de jornalista, colecionei tantas informações sobre o assunto que achava que ninguém poderia me passar alguma novidade. Surpreendi-me. Um dos dois palestrantes era Gilmar, enfermeiro, respondia perguntas com propriedade e vasto conhecimento científico. Foi talvez a palestra mais interessante sobre o assunto que presenciei na vida.


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