07/08/2014

Uma tese sobre o uso de novas tecnologias em Medicina

       Por tudo o que eu li a respeito da cirurgia que eu fiz no Hospital das Clínicas da Unicamp, o que causou o AVC isquêmico que eu sofri foi a chamada circulação extracorpórea, que, no meu caso, calculo que tenha durado em torno de três horas. Eu havia lido dias antes da cirurgia vários textos - pesquisa Google com a pergunta “quais os riscos de AVC e outras intercorrências produzidas pela Circulação Extracorpórea?”, com inúmeros artigos / estudos / ensaios, de vários pesquisadores de muitas universidades brasileiras - que mostravam muito claramente a elevação dos riscos de intercorrências causados pela substituição de coração e pulmões pela máquina. Tentei evitá-la, mas descubro angustiado que o Hospital não tinha para me oferecer nenhuma alternativa menos agressiva, mais amigável e com menos riscos.
        Por que não tinha? Porque certamente nunca teve uma agenda que levasse a instituição a pesquisar outras alternativas. Se tivesse pesquisado certamente hoje poderia ser capaz de propiciar a seus pacientes alternativas terapêuticas menos agressivas nas diferentes patologias cardíacas. Quem procura acha, diz o velho e sábio ditado popular, aqui usado no bom sentido. Pensando em voz alta com várias pessoas que me visitavam eu deixava a imaginação correr e mostrava um certo inconformismo com minha nova condição de cadeirante. É possível fazermos a cirurgia com a técnica do coração batendo?  “No seu caso, dada a complexidade das obstruções, não há tempo. A única alternativa é fazermos a cirurgia com circulação extracorpórea” foi a resposta do cardiologista  Otávio Rizzi  Filho, o primeiro da especialidade a me atender na Unicamp.
        Eu havia lido muita coisa sobre a técnica da cirurgia sem o uso da circulação extracorpórea, e com a técnica do coração batendo e sabia, portanto, que os riscos de ela produzir AVC e outras intercorrências graves é infinitamente menor que na circulação extracorpórea.
Sabia que ela está em franca evolução em vários centros de saúde do país. De fato, ela ainda não pode ser aplicada em casos como o meu, que precisava de duas pontes de safena e uma mamária e ia necessitar talvez de seis horas ou mais ininterruptas de cirurgia.
 É possível que com a evolução de outras práticas, como a do uso de robótica e células tronco na terapia coronariana, uma pessoa que busque terapias menos agressivas  em centros de saúde de ponta encontrem, daqui a poucos anos, respostas mais satisfatórias do que aquele implacável não do doutor Otávio Rizzi, que, por sinal, é um excelente médico de sua especialidade.
        Por mais que eu tivesse lido a respeito recebi  apenas uma vaga noção do caráter invasivo dessa cirurgia de ponte de safena. A noção exata você tem dias depois de enxergar a cicatriz no peito, de mais de palmo de comprimento e as várias cicatrizes na coxa, para retirada da veia safena. É de pensar: como foi que eu sobrevivi? Tem certas coisas que você precisa vivenciar para sentir o que é.
O que estou querendo dizer com tudo isso? Muitas coisas. A primeira delas é que o corpo clínico da Unicamp já tem qualificação segura em cirurgias cardíacas, pois realiza centenas delas ao ano. Já tem pronto um ‘’plano de vôo” para realização de cirurgias semelhantes a que eu fiz. Tanto que não tive nenhuma intercorrência  diretamente associada à cirurgia, que apartada do AVC, foi um sucesso.
       O problema que eu vejo está na instituição. Se você observar o histórico da área de cardiologia da Unicamp dá para ver o momento em que a instituição, tangida pela demanda crescente na região de Campinas, faz sua opção por um pacote tecnológico, que inclui a circulação extracorpórea e todas as demais técnicas agressivas dessas cirurgias. A poderosa instituição meio que virou as costas para o desenvolvimento de alternativas menos invasivas. Na minha modesta opinião, a sociedade espera mais dessas instituições. Espera LIDERANÇA em pesquisa que apontem caminhos  humanos e seguros nas áreas que mais afetam a população.
        O tal pacote tecnológico pode representar o caminho mais curto e eficaz para propiciar a cura de milhares de pessoas que como eu são acometidas por cardiopatias graves, mas com certeza alongou o caminho – podemos dizer isso com segurança dada a importância nacional da Unicamp – que o país terá de percorrer no desenvolvimento de terapias mais amigáveis para os males do coração.


(Desenho ilustrando a circulação extracorpória)

Nenhum comentário:

Postar um comentário